Do Cartola à Copa do Brasil
Artigos

Do Cartola à Copa do Brasil

Autor: Luiz Henrique Borges

Há anos participo do Cartola, um jogo eletrônico de futebol no estilo fantasy game. A cada rodada do Brasileirão eu escalo meu time e cruzo os dedos para que as minhas apostas tenham êxito. Nos últimos cinco anos, elas deram certo e terminei na liderança da liga montada pelo meu amigo Guilherme em quatro oportunidades. Foi ele que me deu tal informação, eu não me lembrava.

Na última rodada, domingo passado, depois de marcar um pouquinho mais de 100 pontos e folgar na dianteira, o Guilherme, entre indignado e querendo fazer alguma troça, resolveu que os outros competidores iriam me tirar da Liga. Achando graça do meu amigo, fiquei ainda mais intrigado com o argumento que explicaria o meu bom desempenho. Ele seria fruto das crônicas que eu escrevo? Olha só o que me falaram: “Confessa Luiz, você deve ficar assistindo vários vídeos sobre o momento de cada time para a crônica e aproveita para montar o seu Cartola”. Nada mais equivocado.

Acho que é bom eu esclarecer algumas coisas: eu vejo poucos jogos durante a semana. Costumo sair cedo para o trabalho e, por lá, raramente dá tempo de assistir um vídeo, mas converso sempre com o Ruy, o meu chefe e apaixonado torcedor do Fluminense, sobre futebol. Não retorno cedo para casa. Se eu não estiver ministrando aula e quando o trânsito permite, costumo estar no aconchego do lar por volta das 19 horas e, sem deixar a preguiça falar mais alto, faço uma hora e meia de bicicleta assistindo alguma série. Descobri que com a companhia das plataformas de streamings me transformo em um atleta.

Após um revigorante banho, costumo ler por duas ou três horas. Normalmente são livros ligados, de alguma forma, à História. Neste momento estou revisitando “A Era do Capital” do sempre instigante Hobsbawm, mas também leio sobre futebol e, neste momento, gostaria de agradecer os presentes recentemente recebidos da amiga Adriana Gebrin. Dentre eles, o livro escrito e autografado por Abel Ferreira e toda a sua comissão técnica, “Cabeça fria, coração quente”, uma verdadeira obra de arte, com belíssimas fotografias, sobre a história do Palmeiras.

O meu amigo leitor deve estar, nesse momento, se indagando, “esse sujeitinho não vê uma partidinha de futebol, não?” Sempre que eu posso, vou ao estádio, seja ele acanhado ou uma imponente arena e, como já afirmei alhures, é uma experiência sempre extraordinária. Em casa, nos finais de semana, eu gosto de assistir o futebol inglês e o brasileirão, mas nunca em “doses cavalares”. No meio da semana, como hoje, quinta-feira, eu acabei de assistir o meu sonolento Botafogo derrotar o Ypiranga pela Copa do Brasil. Já, para o processo criativo da escrita, eu parto sempre das diversas leituras que faço cotidianamente de jornais e sites especializados, acompanhado dos melhores momentos de diversas partidas que, essas sim, assisto com regularidade.

Enfim, estou escrevendo tudo isso só para dizer que meu desempenho no Cartola é fruto de muita sorte com algumas pitadas de bom senso e estratégia que, como venho tendo sucesso, me desculpem, manterei no mais completo segredo. Dito isso, vamos para a análise da Copa do Brasil.

Na medida em que a competição se afunila, as surpresas vão ficando pelo caminho. Nesta semana foi encerrada a terceira fase da competição e conhecemos os classificados para as oitavas de final. Como torcedor de uma equipe tecnicamente limitada, eu me enchi de esperanças para que as zebras desfilassem nos diversos estádios. As derrotas do Flamengo e do Corinthians para o Maringá e para o Remo respectivamente, ambos por 2X0, sinalizavam que minhas preces estavam sendo ouvidas. A ilusão não durou muito. A pobre zebra deve ter sido muito bem trancafiada, no entardecer da última quarta-feira, por algum dirigente ávido pelos vultosos prêmios distribuídos pela CBF, quando ela, inocentemente, se deslocava em direção a algum estádio brasileiro.

O rubro-negro carioca, que havia perdido o primeiro confronto por 2X0, se tornou o principal suspeito de aprisionar o nosso simpático animal em decorrência da total ausência de dramaticidade que envolveu o jogo decisivo contra o Maringá. O Flamengo não tomou conhecimento do seu adversário no Maracanã. Sem um pingo de piedade, deixando de lado o importante princípio cristão do amor ao próximo, aplicou, sem remorso, um sonoro 8X2.

Já a vida do Corinthians não foi tão fácil, apesar do início do jogo ter indicado que poderia seguir um caminho semelhante ao do Flamengo. Mesmo empurrado por quase 40 mil torcedores, em Itaquera, o alvinegro se classificou com extremo sofrimento, do jeito mais corintiano possível. Logo aos dois minutos da etapa inicial, Adson roubou a bola na defesa, tabelou com Yuri Alberto, invadiu a área adversária e deixou a bola nas redes. Depois da blitz inicial, o ritmo do jogo caiu e o clube paulista criou poucas jogadas de perigo. Sem conseguir furar a retranca adversária e com o passar do tempo, o nervosismo dos jogadores e dos torcedores se acentuou e o time, que já não é um primor técnico, ficou ainda mais previsível.

Nos minutos finais, era matar ou morrer e, sem alternativa, o time paulista se lançou de vez ao ataque. Mesmo lesionado, Fagner iniciou a jogada que resultou, aos 48 minutos, no gol de cabeça de Róger Guedes. O gol levou a decisão para as penalidades máximas. O torcedor que conta com o Cássio debaixo das traves sempre fica um pouco mais tranquilo e esperançoso quando a bola é colocada na marca da cal. O gigante corintiano não decepcionou e defendeu a cobrança de Leonan e tornou-se, de quebra, o goleiro que mais defendeu penalidades na história do clube. Como os batedores do alvinegro foram perfeitos, o Corinthians passou para as oitavas de final da Copa do Brasil.

Findada a rodada de quarta-feira, o mendaz dirigente que aprisionou a pobre zebra, deve tê-la soltado com o claro objetivo de eliminar algum grande rival da fase seguinte e, assim, ver o seu caminho para o título facilitado. O plano maquiavélico engendrado por tal algoz quase se concretizou e as vítimas seriam dois clubes do Rio Grande do Sul, o Internacional e o Grêmio. Eles passaram aperto, mas avançaram e, de quebra, acabaram com a possibilidade da zebra se fazer presente nas oitavas de final. A partir de agora ela poderá andar despreocupadamente nas futuras fases da Copa do Brasil.

Na verdade, não houve um pérfido dirigente que afastou as zebras dos estádios, mas a sua ausência é o resultado das altas premiações da competição e das entradas dos clubes que disputam a Copa Libertadores da América a partir da terceira fase. Campeões como o Paulista, o Santo André e o Juventude ficaram no passado, nos livros de História.