Olha aí a nossa “Candin” entrando na terceira idade! Nesta quarta-feira dia (05/06/2023) a antiga Nova Conquista estará completando 61 anos de emancipação político/social. Parece que foi ontem que a gente via (me refiro aos sexagenários ainda vivos) aquela renca de gente nas ruas, dançando atrás de uma bandinha de sopro, cujo folião mais animado era Zé Carlos da Coelba do alto dos seus 11 anos de idade dançando pra lá de entusiasmado na frente da bandinha sinfônica, comemorando o salto que dávamos naquele momento de povoado para cidade. Um conchavo “costurado” às pressas e na calada da noite passou uma “rasteira” em Quaraçu e transformou em sede Nova Conquista, deixando a população daquele povoado frustrada. A contrapartida exigida para tal feito foi à mudança de nome da cidade para agradar Gerson Sales, o então prefeito de Vitória da Conquista e filho de Cândido Sales (O famoso capador). Saliento que o antigo fazendeiro era completamente indiferente a este pequeno torrão.
Não foi atoa que a cidade de Nova Conquista nascera às margens do Rio Pardo. Isso revelava nas entrelinhas que teríamos um futuro brilhante como cidade. Apesar de localizada bem no centro do Sertão da Ressaca, Vitória da Conquista – com todo o seu progresso – ali, nos meados dos anos 1960 não era muito atrativa aos olhos de quem dava por estas bandas, principalmente devido à carência de uma fonte segura de água potável. Bastava descer uns oitenta quilômetros para se ter um contato mais estreito com um “mundão” de água potável. O Rio Pardo da época, era um dos maiores rios do Brasil e como tal, prenunciava que qualquer vilarejo que nascesse às suas margens poderia ter um futuro brilhante. A diversidade de peixes como cumatã, traíra, piau, piabanha, bagre, timboré, camarão e pitus garantiriam a subsistência dos ribeirinhos. O período de chuva – pontual como um relógio suíço – respaldaria a colheita diversificada que era vendida em toda a região. Inexplicavelmente esta teoria não se vingou, a politicagem contribuiu efetivamente para este fracasso.
Neste tempo o sol sisudo dobrava a espinha dorsal do nordeste, inviabilizando as plantações e, consequentemente, a vida dos seus moradores. Fato imortalizado pela música INCELENÇA PRA TERRA QUE O SOL MATOU… Do Menestrel Elomar Figueira Melo: “Levanto meus olhos pela terra seca, só vejo a tristeza, que desolação, uma ossada branca fulorando o chão e o passo-Rei, rei do manjar deu bença à morte pra avisar pra os urubus de outros lugá que vissem logo pro jantar do Rei do Fogo e do luar (…)”.
Esta terrível tragédia fez que um êxodo acontecesse e que centenas de lavradores fugisse da seca da forma que fosse possível, montados em lombos de mulas, jumentos, carros-de-bois e até na base da canela (com os seus cacos caracterizados em imensos sacos levados na cabeça). Este êxodo fez que muita gente partisse do Ceará, Alagoas, Paraíba, Sergipe, e, principalmente do Pernambuco, fugindo do sol causticante que dobrava o espinhaço do pobre peão, o fazendo vender a preço de bananas tudo o que possuía e caísse de mala e cuia na estrada. Um dos lugares que mais recebeu estes “nortistas” foi este torrão. O êxodo em pouco tempo dobraria a população do recém-criado povoado. Assim, metade da população de Nova Conquista passou a ser formada por “pernambucanos”. Gente boa como seu Antônio Padeiro (pai do falecido Doutor Amâncio), seu Acelino do Açougue, pai de Gereba, seu Amâncio pai da professora Santa, seu Ednaldo, Sebastião Leite, Zé Ferreira, Roldão Alves de Morais, seu Manfredo Acioly e tantos outros contribuíram efetivamente para o nosso crescimento econômico. Mas, nem todos os recém-chegados eram boas pessoas. No rastro destas famílias também chegou uma renca de malfazejos. Marreteiros, pinguços, malandros, arruaceiros e assassinos. Logo, o pacato lugar passou a conviver com um bando de valentões promovendo diariamente apoteóticos tumbas, culminados com crimes hediondos, sempre na base da peixerada. Para os nativos, todo mundo que chegava vindo do Nordeste – ainda confundido com o Norte do Brasil -, era considerado “pernambucano”. E assim foram chegando alagoanos, sergipanos, maranhenses, cearenses e uma infinidade de “estrangeiros”.
Não foi diferente com o pernambucano Severino da Fonseca, morador do sertão pernambucano, que se desesperou ao ver sua plantação de milho, feijão e taioba envergarem diante do causticante sol. As duas únicas cabeças de gado que a sua família possuía, não resistiram à insolação dos anos 1960 e passaram a enriquecer o surreal cenário que apresentava para o sul do pais a extrema seca que assolava o sertão dizimando a vida de homens e animais. Desesperado e inconsolável, Biu (como são conhecidos no Nordeste, todos os “Severinos”) juntou todos os seus “cacos”, vendeu o que ainda tinha algum valor e de posse da sua querida esposa e dos seus cinco filhos menores, subiu de carona no primeiro “Papa-jipe” (carretas transportadoras de automóveis, também conhecidas como trans-autos ou cegonhas) que encontrou pelo caminho e caiu na “lapa do mundo”. Foram mais de 30 dias sofrendo na boleia do veículo, passando sede (racionando a água que era adquirida a peso de ouro durante a viagem) enquanto racionava a farofa de galinha “empapuçada” em banha de porco, trazida pela sua esposa e que, para não azedar durante a viagem, foi estrategicamente colocada em duas grandes latas, daquelas que continham bolachas vendidas pelos antigos carros-de-doce.
Biu e familia passou sede, fome e frio durante toda a viagem. Alguns dos seus pequenos filhos adoeceram, perderam pesos, e o sofrimento foi tanto que a esposa chegou por várias vezes pensar em voltar do meio do caminho, enquanto na cabeça do velho Severino, só uma coisa martelava:
– Só vou parar quando eu encontrar um lugar que tenha água com fartura! Se não for para ter plantações eu não volto mais pra lá.
E pensando assim, lá vieram eles, sacolejando rodagem afora, boa parte de terra batida, ainda sem asfaltamento, e, por mais que cidades fossem deixadas para trás, a esperança de chegarem à “terra prometida” e encontrarem o lugar onde plantando tudo daria, os impulsionavam a seguir em frente.
Centenas de quilômetros rodados depois, a esperança já por um fio, o fracasso já imperando sobre todos e o velho Severino quase admitindo a culpa por tirá-los quase à força do seu velho torrão… Não é que quando o “Papa jipe” se preparava para atravessar a ponte de Nova Conquista, os retirantes deram de cara com um verdadeiro oásis? Sim, estava ali, diante dos seus olhos a fartura tão sonhada de água de um rio transbordando. Cachoeiras, corredeiras, lajedos, e centenas de peixes pulando na água transparente…
– Para o carro, para agora mesmo, para, para! – Gritava o enlouquecido pai de família!
– Aqui tem água, é aqui que “nóis vai ficá”! Deus nos guiou até aqui e aqui viveremos o resto das nossas vidas. – Sem pensar duas vezes a família se levantou mesmo com o veículo em movimento e com todas as suas forças esmurraram violentamente o vidro do “Papa jipe” fazendo que o motorista estacionasse quase que a força no meio da pista. Desceram, pegaram os seus sacos, suas tralhas, e, sequer, deram “obrigado” ao condutor, desceram em fila indiana em uma desembestada carreira ladeira abaixo, indo todos parar dentro do rio com chinelos, roupas e até com os sacos que levavam as tralhas. Ficaram dentro da água por cerca de três horas e meia, despertando a curiosidade dos presentes. Já no cair da tarde, passada a empolgação, o velho chefe de família pediu informações sobre a lugarejo que se localizava ladeira acima e logo tomou o seu rumo, carregando seus “cacalhos” na cabeça.
Moram por aqui até os dias de hoje, alguns parentes morreram, outros progrediram financeiramente e todos estão inseridos no seio da sociedade Cândido-Salense.
O patriarca, desde o dia que chegou, até os dias de hoje, mesmo sabendo que o Rio Pardo agoniza em uma morte lenta e dolorosa, ainda toma religiosamente o seu banho matutino nas suas águas pardas, mesmo que a cada dia, tenha mais dificuldade para encontrar um poço com a água apropriada para fazer a sua higiene matinal.
Enquanto isso, Cândido Sales com imensa dificuldade chega à terceira idade, capengando aos trancos e barrancos, buscando um lugar ao sol, porém, nada é capaz de apagar o incontido amor que seus filhos tem por este lugar, em especial os “filhos ausentes” que residem em outras paragens.
Parabéns, velha e boa “Candin”, vida longa e progresso! Navegar é sempre preciso!
FIM
Luiz Carlos Figueiredo
Escritor e poeta
Cândido Sales, Quadras de Julho de 2023. Lua cheia de Inverno.
P.S. Estas mal traçadas linhas completam hoje 2 anos de Jornal Impacto.