No próximo dia 05 de julho “Candin” estará entrando na sua terceira idade, ficando sexagenária. Se ao longo destes 60 anos muitas histórias aconteceram por aqui, imagine aí antes da emancipação? Se todos os gestores que passaram por este município tivesse cumprindo razoavelmente suas obrigações, talvez a nossa cidade fosse um pouquinho melhor do que é hoje. Houve um tempo que as brigas políticas contribuíram gradativamente para que a cidade caminhasse para trás. Um gestor construía com as mãos e o outro destruía com os pés. Foram anos nesta labuta. Hoje, esta velha senhora, ironicamente nos olha de soslaio rindo sarcasticamente da nossa cara. Apesar de todas estas tribulações, “Candin” continua sendo uma cidade adorável. Pergunte para os filhos ausentes (espalhados pelos quatro cantos deste Brasil brasileiro) o que representa este “torrão” na vida deles? A saudade é imensurável e indescritível! Quem está muito tempo fora ainda se lembra com carinho de tudo o que acontecia aqui. A falta de energia, as apoteóticas partidas de futebol no campinho de terra Augusto Flores, a chegada da marinete da Viação Vera Cruz trazendo dezenas de novosconquistenses do “roçadão” para os festejos joaninos. As políticas cujos comitês era um centro de diversão. Da escuridão do jardim, do Bicho de Pedra Azul que aterrorizava nossos moradores, dos Programas de Calouros de Diacísio da Rocha Viana, do cinema de Geraldo Gomes, da RDC – Radio Divulgadora da Cidade, da Voz Independente, das partidas de Sinucas apostadas por Ita que varavam a noite no Bar de Faé, da guarda municipal comandada por João Delegado que fazia a alegria da meninada (Dodó, Deó, Derotides, Pelado, Deusdete, Pedro Guarda), dos nossos doidos de estimação como Goiás, Linguiça, Bufa Fria, Permino… e até da primeira FM Pirata a existir por aqui, A FM 95,7 de Mazinho Mota. Pois é. Não são poucas as histórias de Cândido Sales. Ali pelos anos 1990, o falecido Mazinho de Alzira criou uma rádio pirata que transmitia em uma determinada frequência para toda a cidade. A rádio funcionava em uma velha e empoeirada garagem e, de quando em vez, aparecia a Polícia Federal confiscando todo o equipamento, retirando a rádio do ar por meses. Dois, três meses depois, tudo era reconstruído e a emissora voltava com outro nome fazendo exatamente a mesma coisa. Os equipamentos eram todos artesanais e emprestados de terceiros. Cada locutor se virava para montar a sua própria programação. O sucesso foi instantâneo e logo algumas casas comerciais da cidade passaram a divulgar as suas marcas. Aquele equipamento artesanal fazia que o som cristalino da rádio entrasse até no interior do município. Vistoso, Boqueirão Grande, Espírito Santo, Barra da Lagoa” sintonizavam na frequência modulada da Rádio 95,7. A nossa FM. Esta “emissora” tinha tudo. Programas de todos os jeitos e formas. Contando com “especialista” em todas as áreas. Locutores como Zé Iris, Gel “CANDIN” … 60 ANOS DE HISTÓRIAS. Santos, Toninho Júnior, Maciste, Hélio Cabral, Jaivan Acioly, José Bonifácio e até o locutor que vos fala tinham os seus próprios programas. Fazíamos jornalismo, programas esportivos (Odenir Ferraz era o responsáveis pelas notícias esportivas), debates, programa político, programa humorístico e até um horóscopo diário (o cara lia o horóscopo de um velho jornal apanhado no lixo e fazia tanto sucesso que recebia até carta de agradecimento. Sim. Este era o meio mais popular de comunicação, o ouvinte, agradecido, escrevia dizendo que horóscopo fora supimpa. Tudo o que falara “casou” certinho pra ele. Fazíamos até programas especiais de artistas estrangeiros como Beatles, Rolling Stones, Led Zeppelin e Bob Dylan sempre com textos conseguidos à duras penas através das revistas e jornais da época. Era extenuante! A cereja do bolo acontecia no dia 5 de julho, dia do aniversário da cidade a 95,7 tinha uma programação toda especial, deslocava um “correspondente” até o “Estádio Augusto Flores” só para transmitir em tempo real para toda a cidade o grande embate da nossa seleção com algum time visitante. Os nossos atletas (e os atletas de fora) eram entrevistados ao vivo para Cândido Sales e todo o entorno. A população ficava pra lá de orgulhosa! Em um destes aniversários da cidade, logo após a morte do finado Celson, eu, juntamente com “Zezim Bonifácio” ficamos incumbidos de fazer as entrevistas diretamente do campo de jogo para toda a cidade. Já chegamos entrevistando os torcedores presentes (o campo lotava que saía gente pelo ladrão) e percebemos uma grande indignação da nossa torcida com a barração de Zé Preto que era o último grande craque que ainda existia por aqui. “Véi Barbeiro” após uma bistunta, se invocou de escalar um time só com jogadores jovens, barrando Zé Preto que ele considerava ultrapassado. Enquanto a torcida protestava vaiando o time que entrava em campo, Zé Preto, no meio da torcida, assistia tranquilamente. Assim que o time entrou, dei um toque pra “Zezim” entrevistar “Véi Barbeiro” ali mesmo na muvuca. Audiência maciça, todo mundo com o seu radinho de pilha no pé do ouvido e para botar ainda mais lenha na fogueira alguém resolveu ligar o rádio de um carro que estava estacionando debaixo do pé de surucucu, amplificando a transmissão em uma altura medonha, para quem quisesse ouvir. O danado do “Zezim” já chegou botando o microfone na boca de “Véi” que diante da torcida não teve como fugir da entrevista. – Estamos aqui Luiz Carlos com o grande técnico “Véi Barbeiro” ele vai falar agora o porquê de ter barrado o nosso grande craque Zé Preto. – Ao ver o microfone o treinador ficou mais vermelho que um peru e falou todo engasgado: – Não, não. Não foi barração não. Ele disse que estava sentido uma dorzinha e não pode jogar. – Ah, tá bom. Tá vendo aí Luiz Carlos? Nosso grande craque Zé Preto está contundido e preferiu não jogar! – Falou “Zezim”. Imediatamente deu um estalo e eu falei: – “Zezim” … Zé Preto está aí bem perto de você. Confirma aí se esta história procede? – Menos de um minuto e Zé Preto já falava ao vivo. – E aí Zé, o treinador disse que você está contundido e que se negou a jogar. É verdade? – Zé pegou o microfone e falou para que todo mundo ouvisse: – Eu contundido? Sequer fui chamado para este jogo. Nunca estivei tão bem fisicamente como estou agora. Ele não me chamou porque não quis! – Tá vendo aí torcedor? “Véi Barbeiro” barrou Zé Preto o maior jogador vivo que ainda temos aqui. – Gritou “Zezim”. Dá pra imaginar a vaia que “Véi” levou? Dia 5 de julho, aniversário da cidade, o estádio lotadíssimo e a torcida carregando Zé Preto nos ombros. – Ão, ão, ão Zé Preto é Seleção!… Acho até que o time daqui ganhou este jogo, só que na semana seguinte lá estava “Véi” adulando Zé Preto pra voltar a jogar novamente. Pior que esta história foi a que aconteceu com um famoso locutor que fazia um programa matinal. O cara era extremamente popular, fazia nesta mesma rádio um programa das dez ao meio-dia (antes do informativo político). Este cidadão protagonizou uma cena tão grotesca que metade da população se lembra até hoje. Neste programa, além de tocar música, o nobre locutor – que até hoje adora microfone e crachás – lia o horóscopo do dia, dava dicas amorosas, entrevistava “personalidades municipais” (e era tão narcisista que muitas vezes entrevistava a si próprio) e sempre tinha alguma dica culinária para as donas de casa. Volta e meia ouvíamos o referido com a voz impostada, falando pausadamente, tendo sempre ao fundo uma linda música instrumental para combinar com as suas dicas. Através do programa ele ensinava a técnica de assar um ou outro frango, preparar um bom bife ou até mesmo cozinhar um ovo de codorna. Fazia um sucesso estrondoso! Tanto que muitas donas de casa só faziam o almoço depois de ouvi-lo atentamente nas ondas do rádio. Este cidadão trabalhava com fitas cassetes que era utilizadas em um velho aparelho que a rádio disponibilizava. Um belo dia, lá está o “nosso herói” babando literalmente no microfone e, após encaixar delicadamente a fita cassete no velho toca-fitas, começou a dar a dica culinária. – Minha cara dona de casa… – dizia ele, solenemente. – Hoje a dica é como fazer uma pamonha de milho verde, uma delícia… À medida que ia falando, ia intercalando com o fundo musical. O cara adorava chamar a atenção, porém, neste dia se superou. Sabe-se lá como, trocou a fita cassete que tinha como fundo musical instrumental por um áudio de uma fita pornô! Isso mesmo. Nosso amigo tinha o hábito de sair montado na sua magrela escutando a performance de uma ou outra atriz de filme para maiores de dezoito anos! Imagine aí a cena: o cara todo arrumadinho no estúdio, falando lentamente ao microfone, ensinando a fazer pamonha e ao fundo o “gemidão” de um “coito afoito” com uma voz feminina de sotaque carregado gritando: – Não para amor, não para, não para… Foram mais ou menos uns dez minutos nesta toada, a cidade toda ligada, padre, pastores, donzelas, crianças, velhos e comportados senhores… Todos ouvindo a emissora e os gritos da alucinada ecoando aos quatro ventos: – Vem, bem… Estou quase chegando… Não para, não para… E aí entravam uivos, sussurros, suspiros, e por aí ia… E o locutor, sem fone de ouvido, sem sacar absolutamente nada, na maior das inocências dando a receita… – E agora, minha amiga dona de casa, misture um pouquinho só de leite de coco e termine misturando o coco ralado… Amarre bem amarrado na palha de milho e quando a água estiver fervendo jogue tudo dentro do caldeirão… Nesta altura o finado Mazinho que era o diretor da rádio, e consequentemente, zelava pela grana dos patrocinadores, estava na casa dele ouvindo o programa quando deu de frente com aquela insanidade, ao botar a cara na rua só viu as pessoas reliarem da emissora. Descontrolado o finado correu em direção ao Estúdio e já foi entrando chutando a porta em uma fúria indescritível! Antes mesmo do nobre locutor ter tempo de butucar os olhos já foi recebendo um belo de um sopapo cujo microfone caiu há uns dez metros de distância bem no meio da rua! Completamente ensandecido, Mazinho Mota começou a arrancar tudo que foi fio que encontrou pela frente e, quando o locutor, assustado tentou falar, já foi levando um belo de um supetão. – Oxente, homem que diabo lhe mordeu? – Seu xexelento de uma figa. Endoidou, foi? – Ao ver o desespero estampado na cara do “diretor”, o pobre do locutor ainda tentou juntar as suas tralhas dentro de sua inseparável maletinha de madeira que ficava sempre ao seu lado, foi quando o diretor jogou tudo o que encontrou pela frente bem no meio da rua. Fones, toca-fitas, radiolas, discos, a inseparável maletinha do locutor e as tão famosas fitas de estimação que ele fazia questão de tê-las ao alcance da mão (e dos ouvidos). A partir deste dia, o locutor foi despedido e a rádio (por tabela) virou motivo de piadas na cidade. Foi quando passou a servir apenas como retransmissora dos eventos oficiais da cidade, entre eles, o famoso 5 de julho. Dia do aniversário de emancipação da cidade de Cândido Sales.
FIM
Luiz Carlos Figueiredo
Escritor e Poeta
CSales, BA. Quadra de Junho. Crescente de Inverno de 2022.