Vídeos de câmeras corporais mostram a dinâmica do assassinato do morador de rua Jeferson de Souza, morto em junho em São Paulo. O homem foi fuzilado enquanto estava desarmado e foi alvo de uma execução sumária, segundo o Ministério Público.
O caso ocorreu no dia 13 de junho, embaixo do Viaduto 25 de Março, na região central. Os PMs envolvidos no caso, o tenente Alan dos Santos Moreira e o soldado Danilo Gehrinh, foram presos no final de julho após imagens das câmeras corporais desmentirem a versão que os agentes apresentaram ao registrarem boletim de ocorrência sobre o caso.
Eles relataram que estacionaram a viatura embaixo do viaduto quando foram surpreendidos pela vítima. O morador de rua teria saltado do viaduto para os galhos de uma árvore e descido até o local onde estavam os PMs, que relataram que o homem estaria em “estado alterado”.
O comportamento teria motivado a aproximação dos agentes, que abordaram a vítima atrás de uma das pilastras do viaduto. O suspeito se apresentou como Jeferson de Souza, de 23 anos, e teria dito que era procurado por estupro e agressão. Os PMs afirmaram que iriam levá-lo para a delegacia, momento em que o homem teria tentando agarrar a arma do soldado Gehrinh, o que levou o tenente Alan a atirar contra o homem com disparos de fuzil.
A versão, no entanto, foi desmentida pelas imagens das câmeras corporais. Veja abaixo:
O vídeo mostra o morador de rua desarmado e rendido. Os policiais ficam cerca de uma hora questionando a vítima. Eles tiram fotos do rosto do homem e começam a conversa em um lado menos escondido de uma das pilastras do viaduto 25 de Março, onde a abordagem poderia ser observada por quem passava de carro na região.
Depois, no entanto, o levam para a parte de trás da pilastra, e a vítima começa a chorar. A morte ocorre por volta de 21h25, quando o tenente Allan efetua três disparos de fuzil contra Jeferson, sendo que um deles atingiu o homem na cabeça. As imagens não mostram ele tentando tomar a arma do soldado Danilo, como disseram os policiais. No momento dos disparos, Danilo tenta encobrir a filmagem da câmera corporal.
A dupla responde pelos crimes de homicídio qualificado, falsidade ideológica e fraude processual. O Ministério Público, no processo criminal do caso, afirma que o morador de rua foi vítima de uma execução sumária. “Restou constatado que não houve qualquer reação agressiva da vítima e que os denunciados prestaram declarações falsas com o objetivo de embaraçar o esclarecimento dos fatos”, escreveu o promotor responsável.
“É certo que os denunciados Allan e Danilo, policiais militares no exercício de suas funções, agiram impelidos por motivo torpe, deliberando matar o suspeito por mero sadismo e de modo a revelar absoluto desprezo pelo ser humano e pela condição da vítima, pessoa em situação de vulnerabilidade social. O homicídio foi cometido com emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, a qual já estava rendida e subjugada pela guarnição no momento que foi repentinamente alvejada”, observou o promotor.
Jeferson ainda não foi, no entanto, formalmente identificado pela Polícia Civil. Não foram encontrados documentos com a vítima. A Justiça deve ouvir ainda outros policiais militares que também estiveram no local no dia da morte.
Procurada, a defesa do PM Danilo Gehrinh afirmou que “por ora, não se manifestará sobre a investigação, uma vez que não tivemos acesso aos autos em sua totalidade, entendendo, assim, por se manifestar apenas nos autos do processo”.
O GLOBO procurou também a defesa do PM Alan, que informou, por meio de nota, que “a ação policial decorreu de legítima defesa e buscaremos demonstrar isso ao tribunal do júri”.
Em julho, o porta-voz da Polícia Militar, coronel Emerso Massera, afirmou ao O GLOBO que os policiais levaram a vítima para trás da pilastra “possivelmente para cobrirem eventual câmera de rua ou de algum estabelecimento comercial”.
— As imagens de uma das câmeras corporais mostraram que o homem abordado estava tranquilo, sem oferecer qualquer tipo de ameaça ou resistência. O tenente (Alan) efetuou, ali, três disparos de fuzil, atingindo a vítima na cabeça, no tórax e no braço direito. Não estamos falando nem de descumprimento de procedimentos operacionais, estamos diante de um homicídio doloso, claramente intencional. Uma atitude que não encontra amparo em nenhum tipo de lei ou procedimento. Uma ação abominável — disse Massera.
Os policiais foram levados pela corregedoria da Polícia Militar para o Presídio Militar Romão Gomes após a Justiça aceitar os pedidos de prisão preventiva contra a dupla. Os advogados tentaram revogar a prisão preventiva, mas o pedido não foi aceito pela juíza.
Fonte: O Globo | Foto: Reprodução