Autor: Luiz Carlos Figueiredo
Rapaz, a tal da mania é uma coisa miserável! Desde que o mundo é mundo que a mania se encontra ali, juntinho do ser humano. Existe mania pra tudo quanto há e não é só a raça humana que tem estas esquisitices não, boa parte dos animais também tem. Quando menino conheci um jumento que tinha o hábito de ao voltar do Rio Pardo conduzindo uma carga de água (muito normal por aqui na década de 1970), empacava em frente à igreja católica – que na época era na Rua Larga – e não tinha cristão que o tirasse dali, só saía quando dava uns dois ou três zurrados olhando para a cruz. Os “especialistas” juravam que era alguma promessa que o bicho tinha feito em vidas passadas e queria porque queria que alguém pagasse pra ele.
Zé Vaqueiro, por exemplo, tinha um burro de estimação lá pelas bandas da Cajazeira que toda vez que o bicho ia passar perto do cemitério, empacava e não atravessava o campo santo nem com reza brava. Depois de dezenas de tentativas frustradas na base da espora e do chicote, o experiente vaqueiro dava uma volta de todo tamanho para chegar ao seu destino. Neste caso, os “expert’s” diziam que o bicho tinha a capacidade de ver os mortos fazendo mungangas e ficava paralisado de tanto medo.
Pior que isso só a história do cachorrinho de uma das mais respeitáveis madames que habitava este nosso torrão, o bicho adorava acompanhar a dona nas compras em dia de feira. Aquela renca de gente, um “converseiro disgramado”, gente comprando, gente vendendo, gente gritando e toda aquela efervescência que só as feiras têm, quando de repente Jerry (este era o nome do Poodle) se agarrava às luxuosas pernas da madame e após começar a arfar em uma fungueira miserável, soltava uma bela de uma mijada em cima dos sapatos e das meias finas da jovem senhora. As más línguas insinuavam que o cãozinho lavava era a égua nos lençóis de cambraia da madame. Povo maldoso!
Aqui em “Candin” o que tem de gente com sestro é uma grandeza. Havia um certo senhor por aqui que só andava pelas ruas coçando as partes íntimas para depois sair cheirando a mão à vista de todo mundo. Um outro (extremamente conhecido na cidade), Deus-chama-lá-que-já-morreu, tinha a estranha mania de andar espalitando os dentes com um palito de madeira. Como tinha alguns dentes cariados, fazia questão de enfiar todinho o palito no dente estragado para depois esfregar nas ventas em um inenarrável prazer! Apesar de todo mundo testemunhar esta cena grotesca com ânsia de vômito, o caboclo não estava nem aí, ignorava solenemente a zoação com sorriso e indiferença e continuava cheirando o seu palito. Morreu sem demonstrar nenhum remorso.
Quando adolescente, tínhamos – eu e Arnaldo da Costa – um time de futebol. Neste time tinha uma figura que era um cracaço de bola que só jogava de calça curinga. Quando perguntado o porquê, respondia monosilibicamente que gostava de jogar era assim. Corria tanto que a calça ficava toda molhada. Certa feita, compramos um uniforme novo e marcamos um amistoso com um time de Vitória da Conquista. Como ele era um dos mais empolgados com a partida, dissemos que só o escalaríamos se ele topasse vestir o calção, já que não ficaria bem o time todinho de uniforme novo e ele no meio usando aquela calça curinga pra lá de amarrotada. Bastou a gente falar para o caboclinho soltar os cachorros pra cima de todo mundo, deu logo uma dúzia e meia de calundus, dando esporro a torto e a direito em quem lhe cruzasse o caminho. Depois de muitos xingamentos, ele percebeu que não tinha muitas alternativas e acabou concordando em usar o calção, embora, só o vestiria no início do jogo.
No domingo, gente desfilando com as suas melhores vestes, time conquistense desfilando pelas ruas da cidade em um velho caminhão, Seu Preto vendendo o seu acarajé e tudo pronto para a importante partida em que passaríamos do aspirante ao time principal. Campo completamente lotado e lá vinha o indivíduo pronto para trocar de roupa (o vestiário era uma moita de mamona). O novo uniforme era lindíssimo, calções e meias vermelhas e camisas amarelas. Ao ver o uniforme, sentimos que ele ficou todo empolgado. se sentou em uma pedra, botou as meias, amarrou os “kichutes”, vestiu a camisa e quando o time se preparou para entrar em campo lá vinha ele insistindo em jogar de calça.
– Êpa, o que é isso rapá? Já não disse que não pode jogar de calça? Não pode não! Você foi avisado! – Disse o técnico furioso. – Isso aqui é uma partida oficial, se você não quiser usar o calção passe logo o uniforme para “Veão” (o reserva imediato) que ele está doido pra jogar. – Diante da pressão, o caboclinho correu para dentro da moita, e, escondido de todo mundo, tirou a calça em uma impressionante ligeireza e após vestir o calção – que cabia dois dele dentro -, puxou as meias até depois dos joelhos. Ficamos todos frustrados. Não conseguimos ver absolutamente nada, já que entre o limite do calção e o término das meias dava no máximo um dedo, era só o que podia se ver da pele branca do caboclo. Entrou, jogou e comeu a bola, inclusive, marcando dois gols. Saiu, correu pra moita, botou novamente a calça e veio comemorar com o restante dos jogadores. Até hoje não sabemos que mania era aquela! O que ele queria esconder ficou perdido para sempre no tempo.
Agora, duro mesmo era o cabra que tinha a estranha mania de andar dando pequenos sacolejos no braço esquerdo enquanto fazia horrendas caretas para quem cruzasse seu caminho. Este caboclinho ficou tão famoso que bastava sair na rua para que um ou outro gaiato gritasse: – Olha a mutuca! – Pra quem não sabe, é uma espécie de mosca varejeira, enorme, que adora picar animais e pessoas. Este moço, devido a este hábito horroroso já entrou até em algumas confusões por acharem que as caretas fossem de propósito. Uma vez faleceu a mãe de um político importante da cidade, o “maniento” – a exemplo de metade da população – viu-se obrigado a ir ao velório. Ao chegar deu de cara com uma fila interminável. A casa cheia, gente chorando, aquela renca de pessoas, a fila andando bem devagarzinho e quando chega a vez dele, querendo demonstrar solidariedade ficou um tempão olhando de soslaio para a defunta, ansioso, teve uma crise de sestro e passou a girar rapidamente o braço como se fosse uma manivela ao tempo em que fazia uma renca de caretas para o cadáver. Piscava, botava a língua pra fora da boca, e grunhia revirando os olhos. A coisa foi tão feia que ele só não apanhou da família enlutada porque a turma que o conhecia perdeu um tempão explicando que aquilo era um hábito incontrolável que ele contraíra ao longo da vida. Tirado às pressas do velório o nosso amigo ficou um tempão escondido das pessoas.
Agora, tudo o que foi narrado até aqui é fichinha perto do sestro de João Mangangá, um cara que vivia “enfiando cordão” por aqui na década de 1980. João era todo pra frente, mentiroso feito o diabo e que andava todo empetecado com uma bombeta na cabeça que não tirava nem para tomar banho. Às vezes descia aquela renca de jovens para o rio da areada, onde se faziam piqueniques regados à carne assada com caipirinha. Mesmo com todo mundo moqueado, molhado por dentro e por fora, Mangangá atravessava o rio nadando de um lado para o outro, sem, sequer, tirar seu “bonezinho”.
Um belo dia, ao esbarrar acidentalmente com uma destas morenas de parar o trânsito, o malandro arriou os quatro pneus. Ao custo de muita saliva e alguns presentes (mais presentes que saliva, óbvio!) conseguiu convencê-la a ir ao seu famoso “abatedouro”! Após duas ou três tentativas frustradas, a garota virou habitué do lugar e praticamente todas as noites podia ser flagrada adentrando soturnamente a casa de Mangangá.
Três meses de namoro e João perdeu completamente a estribeira, passando a ficar tempo integral ao lado da amada. Não foi que a morenaça também pirou em Mangangá? Pirou tanto que já estava até pensando em se mudar de mala e cuia para o “lar-doce-lar” do moço. A paixão só não era completa por que uma coisa intrigava terrivelmente a linda morena… que comportamento estranho era aquele do seu namorado que mesmo durante a “consubstanciação da enfatização” continuava usando o velho e esfarrapado boné na cabeça? No início, ela até tentou na base da conversa saber o porquê de tão estranho fetiche, o que tinha o diabo daquele boné para ficar sempre entre os dois corpos despidos e apaixonados? Sempre que questionava, João mudava o rumo da prosa.
– Amôôô… – falava com a vozinha dengosa! – Por favor, tira este bonezinho pra eu ver a sua cabeça, amor, tira?
– Não. Tirar pra que? Estou bem assim! – Falava Mangangá tentando desconstruir a prosa. – Foi alguma promessa que você fez, fala aí pra sua morena gostosa, fala? – Insistia a garota o enchendo de beijos do nariz até o pescoço!
– Não. Vamos falar de outra coisa. Deixa meu boné em paz! – Falava rispidamente saindo de perto da garota.
Eis que chega o feriado de Corpus Christi, após participarem de uma festa religiosa onde tomaram até alguns goles do “sangue de Cristo”, a dupla adentrou o famoso recinto em uma tara descomunal que começou ali mesmo na sala e foi se espalhando pelos cômodos. Após meia hora de tapas, beijos, beliscões, lambidas, mordidelas, gemidos e afins, deixando pela casa uma renca de peças de roupas, eis o selvagem e valente “potro” cavalgando velozmente a sua linda e delicada amada. Gritos, sussurros, gemidos, soluços e tudo quanto há depois, já na quase eminência da inevitável chegada do famoso “Zé Gostinho” que se aproximava velozmente da “festa”, eis que a garota deu uma bistunta e colocou em prática um plano que astuciara dias atrás e entre “te amo bem” e “vem com tudo, amor”, ela puxou de uma só vez o boné da cabeça do indivíduo que deu uma colossal brochada interrompendo unilateralmente o coito deles de cada noite…
– Olha só… Ele é careca! – Gritou a garota rolando de rir.
Mais amolecido que boneco de posto, Mangangá pulou desta cama em um desespero aterrador e soltou os cachorros pra cima da garota:
– Sua cadela! Safada! Puta! Devolva o meu boné fila da puta! – Falou e já foi tomando a força o boné das mãos da moça e em um incontrolado estado de infezação jogou esta garota – nua como viera ao mundo – porta a fora no exato instante em que passava a procissão.
Duro foi correr pelada segurando as roupas em meio ao olhar de reprovação das beatas e dos cânticos religiosos! Depois desta, João Mangangá mudou-se de mala e cuia para a “Paulicéia Desvairada” e a primeira coisa que fez na vida foi assumir de vez a sua careca, aposentando definitivamente a sua bombeta de estimação!
FIM
Luiz Carlos Figueiredo
Poeta e Escritor
CSales, BA. Quadras de Outubro de 2022, Nova de Primavera.