ANO NOVO E TUDO NOVO DE NOVO.
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ANO NOVO E TUDO NOVO DE NOVO.

E cá estamos em 2024, alma lavada, esperanças renovadas, tanque cheio e o fim do túnel iluminando e vida que segue… a corriola que passou de meio século de idade deve estar vendo as coisas exatamente como eu, ou seja, finalmente chegamos ao futuro. Sim. Lá pelas bandas dos anos 1980 o que mais ouvíamos eram relatos futuristas sobre dois mil e alguma coisa, através de filmes (e de livros) premonizando como seria o nosso futuro. Os mais curiosos entravam de cabeça na Ficção Científica, inclusive com edições especializadas de livros, filmes e até HQ. Havia tudo quanto há… carros voadores, transmissões computadorizadas em tempo real, cidades suspensas, trabalhadores robôs e uma infinidade de “surrealidades”. Se o futuro chegou – pelo menos por estas bandas – ainda deve estar “caxingando”. O tempo passa, o mundo muda, a tecnologia chega  e por aqui tudo continua do “mesjeitim”, novidade mesmo só com a tal da malandragem. Este é um gênero que se renova em tempo integral.

“Isturdia” um amigo meu deu uma bistunta e resolveu vender a velha C-10 que o auxiliava em seu meio alqueire de terra. Com a ajuda de seu sobrinho anunciou nas redes sociais e em poucas horas apareceu um comprador. O sobrinho falou o preço e o cara nem reclamou, apenas exigiu que o carro fosse levado para seu mecânico de estimação para que fosse feito uma vistoria. Após uma análise criteriosa do veículo, o pretenso comprador foi informado que o carro era supimpa e na hora do pagamento o comprador quis fazer o Pix para o “intermediador”, o sobrinho indagou o porquê de ele estar vendendo o carro e o pagamento ser feito pra outro? Foi aí que a ficha caiu e descobriram que o malandro vira o anúncio do veículo que custava R$ 40 mil, ofereceu por 17 (pegando 7 de sinal) e quando ia receber o restante o golpe foi descoberto. O futuro comprador perdeu apenas o que dera de sinal para deixar de ser “usurento”.

Neste final de ano resolvi visitar os meus filhos e quando cheguei de madrugada no Terminal Rodoviário de Vitória da Conquista (vinha de Eunápolis, onde mora um deles), fiquei sentado ao lado da esposa na área de “embarque e desembarque” esperando um outro vir nos buscar. Alas que lá pras tantas parou um buzu e sabe-se como, surgiu um saltitante passageiro todo cheio de mungangas. Era um caboclinho baixinho, feições atarracadas, barba por fazer, uma cara de pinguço desgraçada e em meio a todo aquele emaranhado de gente, lá foi ele “butucando os zóios” em minha direção. Olhou, deve ter me achado com cara de besta e partiu em direção onde estávamos sentados. – O senhor desculpa o mal jeito, é que estou vindo das bandas do Gerais, n’um sabe? Roubaram tudo o que eu tinha…

– Olha moço, se for pedir dinheiro, vou logo adiantando que estou duro. Não tenho nada pra lhe dar, infelizmente! – Mesmo interrompido, quem disse que o caboclo perdeu a “classe”? – Não, não, longe mim. Não quero seu dinheiro não. Eu sou uma ovelha desgarrada da Igreja Universal do Reino de Deus e como fui roubado e estou vendo que o senhor está levando uma mala, eu, modestamente, queria apenas que o senhor me doasse em nome Jesus, uma camisa branca de manga comprida listrada, uma gravata reluzente e um paletó alinhado para eu ir ao culto, calça  não, que estou vendo que vai ficar folgada… –   Olhei pro cara e soltei uma gaitada o deixando completamente desconcertado. Diante da minha atitude, ele me olhou e mesmo trôpego ainda conseguiu dizer: – Ah, tá! Já vi que o senhor não tem, né? Tem problema não, Deus vai lhe ajudar do mesmo jeito, Passe bem! – Falou se retirando.  Percebi que a malandragem está se adaptando aos novos tempos. Mais alguns meses vão exigir até Pix, andar com maquininhas de cartões e receber esmolas dividida em  suaves prestações. Assim que o meu filho chegou, demos risadas  do sucedido e ele me fez relembrar  a apoteose que foi eles terem ido morar em Vitória da Conquista.

Em 2001 alugamos um apartamento no Bairro Brasil, os meninos moravam  no primeiro andar. Ninguém entendia o porquê daquela morada estar sempre livre, mesmo com o preço muito abaixo do que se cobrava na época. Com menos de uma semana eles descobriram que durante o dia, no térreo funcionava um boteco todo “mal-amanhado”, com moscas e ratos decorando o ambiente, paredes sujas e rachadas, um velho senhor mochilado vendendo canjebrina e uma renca de bêbados maltrapilhos e malcheirosos. Quando caía a noite, o velho boteco como em um toque de mágica se transformava em um “inferninho”. Luz negra, perfume barato, fila na porta… Virava uma putaria lascada. Dança aqui, rebola ali, beija acolá, a música brega tocando em volume máximo e Isidoro (um magrelo de chapéu coco e luvas brancas), distribuindo bofetões à torto e a direito em quem o contrariasse. Sim. Isidoro era o “agenciador” da renca de “mariposas classe C”. Algumas banguelas, outras rechonchudas, a maioria idosas e o “empresário” só ali, tomando metade do que as “meninas” arrecadavam. Nos finais de semana era possível ver o “agenciador” dando uma ou outra surra em algum caloteiro ou punindo alguma “donzela” por ter tentado lhe passar a perna (neste caso, não de forma literal).  Os meninos no andar de cima se divertia a valer com o que viam. Ficavam acordados até altas horas olhando o espetáculo. Na época, receberam a visita de um primo mais malino que o capeta, e o moleque (da mesma idade deles) gostou tanto do que via que mudou de mala e cuia – dizendo que iria estudar – para a casa deles em Vitória da Conquista. Enquanto a galerinha estudava, o primo se divertia olhando de cima munido de um binóculo. Logo, descobriu que os “programas” eram previamente marcados. Como na época ainda não existiam celular, os “amantes” ligavam para um velho orelhão que existia na esquina da rua do boteco. Bastava o telefone tocar para Isidoro montar na sua bicicleta leiteira e desembestar em direção ao telefone. – Alô! – Falava gritando – Faustina tem um programa marcado neste horário. Ludmila? Esta eu posso agendar. Agora o programa é R$ 20 contos, meia hora (Vinte contos naquela época era uma grana). Se passar tem que pagar dobrado. Pra dormir? Pode, porém, tem que sair antes do amanhecer. De dia é um boteco familiar não posso permitir estas putarias não. A polícia está de olho, tenho que seguir as regras. – Enquanto Isidoro seguia explorando a mulherada na base do tapa – andava com dois porretes e um chicote na cintura – , o primo com a sua mente inquieta astuciava uma forma de dar uma lição no gigolô. Na época adquirimos um aparelho telefônico da Vésper que nos finais de semana as ligações eram gratuitas. Pois o diabo do primo não descobriu o número do orelhão? Sim. Esperou o final de semana, reuniu os primos e mais uma renca de colegas do colegial e ficaram só esperando o momento certo de dar o bote em Isidoro. Assim que parou um carro vermelho do outro lado da rua, o moleque discou para o orelhão fazendo um barulhão. Ao ouvir a discagem, Isidoro saiu desembestado e quase caindo da bike já foi gritando: – Alô! – É Isidoro o agenciador? – Sim, o que você quer? – Perguntou o cafetão com voz de poucos amigos.  – O que você tem hoje pra me oferecer? – Tenho todas que você quiser? Vai de quem, hoje? – Falou o malandro achando que estava abafando. – Veja bem meu irmão… – Falou o primo empostado a voz. – Está vendo o carro vermelho aqui do outro lado rua? – Sim, sim. – Respondeu Isidoro esticando o pescoço. – Seguinte, meu irmão. Eu e meus camaradas daqui a cinco minutos vamos entrar no seu bordel e matar todo mundo, tá entendendo? – O que? – Falou o agenciador todo espantado. – Ouça o que estou falando senão lhe mato agora mesmo! – É a polícia? Eu já paguei a mensalidade deste mês! – Polícia porra nenhuma, seu cafetão safado. Me ouça. Vou lhe dar cinco minutos pra você fechar aquela putaria. Depois disso quem estiver lá vai cair na bala. Somos quatro e estamos armados com uma artilharia pesada, entendeu? – Sim, senhor, sim senhor! – Gaguejou Isidoro. – Muito bem, agora monte nesta magrela e tire que você puder de lá. Estou livrando a sua cara porque você é um cara legal, mas só tem cinco minutos a partir de agora. Tire quantos puder que lá vamos nós estourar aquela porra. Agora, vá! – Na base do desespero, Isidoro montou nesta magrela e já subiu a rua pedalando em uma velocidade estonteante e gritando mais que camelô em dia de feira.  – Corre gente, todo mundo pra fora, corre! –  Jogou a bicicleta no meio da rua, entrou no meio do barzinho e completamente alucinado começou a empurrar a mulherada para o meio da rua. Virou um fuzuê, mulher correndo quase pelada, homens com as calças na mão, bêbado segurando litro de cachaça e aquele histerismo de dar dó. Ninguém entendia o que estava acontecendo. Isidoro ainda tentou pegar sua leiteira, quando por coincidência o carro vermelho deu de ligar os faróis, pra que? Desembestou rua acima deixando tudo pra trás enquanto na parte alta do edifício a molecada rolava de rir. Foi de lascar! O boteco ficou uma semana fechado e Isidoro quase um mês se aparecer.

FIM

Luiz Carlos Figueiredo

Escritor e Poeta

Cândido Sales, Bahia. Quadras de Janeiro de 2024.

Minguante de Verão.