Autor: Luiz Carlos Figueiredo
Nem todos os moradores da cidade de Cândido Sales sabem que o embrião do Povoado do Porto de Santa Cruz foi a fazenda Bela Vista. Esta fazenda se localizava um pouco acima da área onde ainda nos dias de hoje “resiste bravamente” o antigo lugarejo e pertencia ao famoso Coronel Onofre Ribeiro da Silva. A respectiva fazenda era o ponto de apoio de tropeiros, boiadeiros e caixeiros-viajantes e aqui no sertão da ressaca era o elo entre o sul e o norte do país. Diariamente chegavam boiadas enormes, vezes subindo, vezes descendo o pardo rio. Outras vezes os trabalhadores da Bela Vista acordavam com o canto indefectível dos tropeiros, com as suas bandeiras vermelhas, ostentando seus chapelões, suas vestes características, seus lenços coloridos enrolados nos pescoços, tocando a tropa com maestria, trazendo enormes panacuns, ofertando à preços “módicos” mercadorias trazidas do sul do Brasil. Estes homens ligavam o país de uma ponta a outra.
O coronel Onofre era um destes homens sistemáticos, de muitas posses, grande produtor de leite e alimentos e para variar, criava uma centena de cabeças de gado, uma renca de bodes, carneiros, porcos e galinhas. Devido ao tamanho descomunal da propriedade, o valente coronel tinha dezenas de funcionários que faziam girar a “roda-viva” da sua produção. A grande maioria eram descendentes de escravos alforriados e que tinham diariamente que labutar com a presença maciça de forasteiros. Semanalmente chegavam dezenas de tropeiros e caixeiros-viajantes incumbidos de desbravar a ferro e fogo o recém-descoberto Sertão da Ressaca. Além de renovar o estoque de alimentos, os tropeiros eram portadores “das boas nova”, trazendo retratos, livros, revistas e jornais com as últimas notícias do sul do país para que a família do coronel ficasse à par das recentes notícias do Brasil e do mundo.
Estamos falando dos meados de 1922, quando a única lei que existia na região era a palavra do coronel. Do alto dos seus 72 anos de idade, Onofre conduzia a fazenda com mão de ferro, escondido atrás da sua barba espessa, dos seus embranquecidos cílios grossos e dos seus óculos “fundo de garrafa” que lhe davam um ar de intelectual. O dono da Bela Vista por aqui naquele tempo, era a lei, a ordem e a justiça.
Dentre os empregados da fazenda, existia uma jovem lindíssima, extremamente traquina, pra lá de danada, conhecida pelo nome de Zefinha. Linda de meter medo, a moça chamava a atenção de todos por ter os cabelos longos e anelados que lhe escorriam até a linha da cintura, os olhos negros e brilhantes iguais jabuticabas, uma voz sedosa que quando sussurrada arrepiava até cabelo de defunto e o corpo extremamente sinuoso. A cara de garotinha contrastava completamente com o corpaço pra lá de definido. Apesar de quase menina, a moça convivia diariamente com uma imensa lista de pretendentes, embora, à boca pequena dizia-se da enorme experiência que ela demonstrava entre quatro paredes. A mucama tinha fama de “matar mais que cobra de lajedo”. Ela tinha o hábito de diariamente desfilar pela fazenda deixando os machos completamente tolemados. Zefinha era negra, linda e deverasmente turbinada para a sua pouca idade. Os seus quadris pareciam ter “molas” que fazia a sua cintura impulsionar o balanço sensualíssimo das suas ancas. Os lábios grossos eram a cereja do bolo, principalmente quando tingidos de vermelho. Apesar de filha de pais pobres, Zefinha só andava luxando, o que era um prato cheio para as fofoqueiras de plantão. Não satisfeita com tudo isso, a jovem (do alto dos seus quase 17 anos) ainda saía distribuindo ordens a torto e a direito dentro da fazenda e ai de quem não obedecesse.
Como nada vem de graça, logo começou se espalhar à boca pequena que quando Dona Deolinda visitava a “parentaia” lá pelas bandas da Vila dos Montes Claros (no norte dos Gerais), a mucama rolava confortavelmente na reforçada cama e nos macios lençóis de cambraia do quarto do astuto coronel. Isso explicava razoavelmente a autoridade da garota! Esta fofoca rolava em toda fazenda, embora, ninguém conseguisse provar. Porém, uma coisa era certa, toda vez que dona Deolinda voltava de viagem encontrava o velho coronel acamado, completamente esquartejado. As visitas de Zefinha deixavam o velho Onofre “escanchambrado” por quase uma semana. Não tinha caldo de amendoim, ovo de codorna ou catuaba que resolvesse o problema do velho e quando o coronel negava fogo, Zefinha saía abatendo impiedosamente todo homem que estivesse ao seu alcance. O ímpeto sexual da mocinha era de meter medo.
Eis que um belo dia, deu de engraçar para o lado dela um velho caixeiro-viajante chamado João Santana. Este senhor já tinha uma barriga avantajada, tomava uma pinga lascada e já batia ali na casa dos sessenta e mais alguns. Bastou que Zefinha desse uma ou outra rebolada para que o velho João Santana perdesse completamente a cabeça, se esquecendo completamente a quem ela pertencia, ficando com os quatro pneus arriados. Assim, sempre que chegava de viagem o velho caixeiro cobria a moça de presentes. Logo a falação passou a fazer parte do cotidiano da fazenda. Quando embriagado o velho João nem mais disfarçava o desejo pela linda e insaciável Zefinha.
– Tu ainda haverás de ser deste velho viajante! Pode apostar! – Pensava em voz alta à vista de todo mundo enquanto a garota distribuía sensualidade jogando a sua derriére de um lado para outro. Pois é. Luiz Gonzaga cansou de falar que “mulher querendo é bom demais”! E toda viagem, tome presente! E não era qualquer presente não, eram coisas caras e luxuosas. Uma pulseira colorida aqui, um diadema de cabelos ali, um broxe de prata, um brinco de ouro e logo as viagens que eram mensais passaram a ser semanais e não demorou muito para que os dois fossem surpreendidos, quando, entre gritos e gemidos, rolavam pelados e entrelaçados na Gruta da Areia Clara. Não faltou quem imediatamente amarrasse na barra da saia e levasse a notícia para Faro Fino, o famoso capataz da fazenda, que querendo agradar ao patrão, amarrou na barra da calça e levou imediatamente para o Coronel Onofre.
Quando soube do sucedido, o coronel Onofre ficou tão furioso que quase arrancou o próprio bigode, seguido de um indescritível rompante de infezação, quebrando uma boa parte dos móveis do seu próprio escritório para em seguida dar meia dúzia de pescoções em Zefinha, querendo que ela confessasse o tête-à-tête que tivera com o tropeiro.
Diante da pressão, a jovem fez o que sabia de melhor, despiu-se imediatamente das vestes, ficando completamente pelada diante dos olhos do velho coronel, que após uma crise de tremedeira, transformou o final trágico em um dos coitos mais barulhentos da fazenda. O velho Onofre podia até estar apaixonado, mas estava longe de ser bobo, assim, após a passagem desenfreada do prazer, astuciou com Faro Fino um plano macabro para flagrar João Santana com a boca na botija, ou seja, entre as voluptuosas coxas de Zefinha.
Uma semana depois em um belo entardecer, eis João Santana chegando à fazenda, puxando seus cinco burros carregados de mercadorias diversas. Após se banhar e degustar um enorme pedaço de bife feito com carinho pelas mucamas da fazenda, o velho ainda tentou ver a sua linda Zefinha, e após procurar à exaustão, resolveu dormir para encontrá-la no dia seguinte.
Em plena madrugada fria, onde o velho tropeiro roncava mais que um porco, sonhando com a linda derriére da jovem mucama, eis o sagaz coronel, acompanhado dos seus jagunços de estimação e da indispensável presença de Faro Fino adentrando sorrateiramente o quarto do moço, obrigando o infeliz a acordar com um cano de um 38 de todo tamanho enfiado todinho na sua garganta.
– Acorde, namorador de “mulé aêia”! – Bradou um coronel furioso, cujas palavras eram esmagadas, mastigadas, mordidas e mutiladas pela dentadura postiça, especialmente confeccionada na capital mineira.
– Oxente, coronel, o que se passa? – Indagou um sonolento João, que ao ver a cara furiosa do velho encandeada pelo “fifó” a querosene, foi logo entendendo a mensagem, e “morto de medo”, acabou urinando no próprio pijama.
Até mesmo João Santana já ouvira falar no amor do coronel por Zefinha, já que isto era cantado em prosa e versos até mesmo nos limites do Sertão da Ressaca. Incrédulo, nesta hora de aperto, sentindo o gosto amargo do cano do revólver na boca, o infeliz prometeu acender velas até pra “São Nunca”, que segundo a lenda, se existe, não tem lá muita credibilidade com os homens aqui pros lados da terra.
Claro que não adiantou o tropeiro indagar entre choros e berros que era somente amigo da moça.
– Ela tem dono, seu velho safado! Arrespeite mulé dos outro! Assim, 50 chibatadas e vários gritos depois, o velho tropeiro foi amarrado com as mãos nas costas ensanguentadas e jogado feito um fardo de capim no lombo do jegue Sarafim (um velho jegue banguela que não podia fazer muito esforço) que lentamente o conduziu para longe dos limites das “Baixas”. Sua mercadoria e os animais foram apreendidos.
Coincidência ou não, nunca mais o velho João Santana (caso tenha sobrevivido à surra) voltara a pisar nestas terras. Quanto à Zefinha, ainda viveu um bom tempo distribuindo o seu indefectível rebolado para todos e a sua insaciável libido apenas para o apaixonado e ciumento coronel!
FIM
Luiz Carlos Figueiredo
Escritor e Poeta
CSales, BA. Quadras de Agosto de 2022. Crescente de Inverno.