AMOR DE CARNAVAL.
Artigos Opinião

AMOR DE CARNAVAL.

O Carnaval em Candin vem lá dos primórdios. Nos meados da década de 1960, o vilarejo embrionário já provocava a disputa do melhor cordão de carnaval do povoado. O mecânico Coringa liderava o bloco das Mulheres-Damas e Diacísio da Rocha Viana conduzia o Bloco do Clube Social (sim, Candin já teve Clube Social). O júri era formado pela nata da sociedade local, o que caracterizava a vitória quase sempre do “respeitável” Clube.

Já na década de 1970, a atração era o velho cordão dos mascarados que tomavam as ruas da antiga Nova Conquista, liderado por Pernambuco (pai do falecido Ratinho) e com a luxuosa participação de Diacísio e da alta sociedade da época…  Valmar do Bodoque, Salvador da Casa (de artigos) de Couros, Toinho da Primavera, Seu Lindolfo, Dona Lu, Zé Carlos da Coelba e aluados como Fostino (Faustino), Carolo, Olavo Olho de Prata, Ceguinho da Viola, Elói da Gaita e Goiás. A principal diversão dos “Caretas” era tocar terror nos garotos que tinham entre 10 e 12 anos. É impossível não se lembrar do estalido do chicote de Pernambuco, mascarado com a carranca mais feia do bloco, fazendo até adultos tremerem.

Em 1981, os recém-formados doutores, Henrique, João Rielson e Amâncio (falecido) em conluio com Valmir de seu Ernestino, Miltinho (irmão de Oriston e Altamirando) criaram o Bloco “Os Biritas”, e, para fazer jus ao nome, todos os integrantes bebiam até chegar ao “volume morto”. Na época o abadá tinha o singelo nome de “mortalha” e era da cor preta. O Bloco era animado por uma aguerrida Bandinha de Sopro e além dos criadores, contava com a luxuosa participação de foliões como o locutor que vos fala, Badim, Zé Preto, Zequinha, Almir, Pio, Miranda, Tãozinho, Negro Dázio, Dal do Bar e mais uma renca de amigos. Este bloco ficou famoso por ter gerado um tumba entre os próprios integrantes que optaram por jogar uma pelada entre saias e vestidos bem na hora do desfile, desolado, Doutor Henrique sequestrou a única bola do baba desencadeando uma verdadeira batalha campal. Foi perseguido pelos jogadores dos dois times pela cidade inteira.

Em 1989, houve uma tentativa de realizar os festejos carnavalescos no final da Rua Larga (Avenida Costa e Silva), o poder público incentivou a criação de blocos de sujos e afoxés, desfilando pelas nossas ruas empoeiradas. As bandas se apresentariam em cima da carroceria de um baqueleleixo utilizado como palco. A festa foi um fiasco. De positivo, apenas o bloco criado pelo falecido mecânico, Bira, inspirado no Olodum. O Bloco Cândido-Salense chamava-se “OLHO-DUM” e tinha uma batucada tão desafinada que não havia tímpanos que a suportasse. O fiasco não passou do primeiro ano.

Em 1990, foi a vez do Carnaporto. A energia foi gerada através de um velho motor de casa de farinha, operado com maestria pelo “consertador” de televisão, Séba. Na época rolou o primeiro festejo eletrizado da nossa história. Criativo, o operador (cortava uma água lascada) conseguiu – Sabe Deus Como – eletrificar A Outra Banda da Terra, formada pelo finado Salvador, Adelino, Ferreirinha Batera (também falecido) e Zemar de Arandê – O Pombo – nos vocais, que entre outras coisas, enlouqueceu literalmente os foliões. O grande lance era a falta de estrutura forçando a plateia interagir literalmente com a natureza. O Carnaporto ficou famoso – também – pelo desfile de beldades nas águas pardas do nosso rio. Os minúsculos biquinis presentes no evento deixavam os marmanjos de queixos lambuzados.

Em 1995 os festejos de Momo atingiram o seu ápice, além do desfile de grandes bandas, uma infraestrutura foi montada para dar o mínimo de conforto aos seus foliões. Dezenas de ônibus com visitantes de toda região “ancoravam” o evento. Um imenso terreno foi desapropriado e destinado à área de camping. Famílias inteiras acampavam em plena natureza durante os quatro dias de eventos. Neste período, Jerim foi à Vitória da Conquista e adquiriu em suaves prestações um refrigerador Consul novinho em folha e o estreou no Porto, em plena barraca de palhas e lonas. O gesto do Nego Jero – recém-empregado – despertou uma inveja lascada.

Nos anos 2000, várias residências foram construídas no Porto, muitas, aconchegantes e com piscinas. Convidados e proprietários gozavam do maior conforto durante o evento. Em um destes eventos, Crispim, figura carimbada da comunidade se deliciava com a visão das turistas desfilando imponentes pela principal praça de eventos.  Eram tantas garotas que o bom vivant sacou do alforje o seu litro de vinho, se sentou solitariamente e “de frente pro crime”, ficou só tirando uma linha do “requebra, requebra, requebra sim” …

Entre as beldades, uma roubava o espetáculo exalando uma surreal sensualidade. Ruivinha, corpo sinuoso, cabelos encaracolados, um fio dental cana caiana que faria qualquer cristão ir direto para o inferno e um sorriso cativante. Como possuída a jovem rodopiava delicadamente pela área de evento. Crispim sofria, tentava se controlar para não cair no samba ao lado da jovem. Com os olhos vidrados, solvia suavemente o seu vinho enquanto a comia gulosamente com os olhos. Se sentindo desejada, a turista saracoteava freneticamente de um lado para o outro, fazendo que o caboclo perdesse completamente o senso. Lá pras tantas, Crispim já em adiantando estado etílico, viu quando um cabeludo malhado se aproximou da garota, a abraçou por trás e tascou-lhe um beijo no cangote fazendo que a moça ficasse mais eriçada que gata no cio e ele mais deprimido que marido abandonado. A reciprocidade fez que Crispim compreendesse que ela estava comprometida, portanto, teria que arranjar um outro lugar pra colocar o desejo.

À medida que a noite foi passando, as bandas se revezando e já desnorteado pela “perca precoce”, Crispim resolveu se aliviar no banheiro do único boteco existente. Ao chegar viu uma fila quilométrica no banheiro feminino e a porta do miquitório masculino levemente fechada. Após esperar uns cinco minutos, pra lá de apertado Crispim resolveu dar uma empurradinha e a porta já foi se arreganhando. Diante do aperto o caboclo não pensou duas vezes e ao adentrar o ambiente deu com a visão mais linda que já tivera em toda a sua vida.

Ali, de cócoras no piso do banheiro, a galega de cabelos encaracolados, completamente pelada, mijava torrencialmente. Ao vê-lo, os dois ficaram petrificados… a jovem tampou os seios com as mãos – deixando todo o resto descoberto – e continuou mijando…

– Moço, por favor, deixa eu terminar meu xixi!

– Fique à vontade, moça!

Babando, Crispim foi até a porta do banheiro, abriu os braços e gritou:

– Não entra ninguém! – Controlou no braço aquela renca de marmanjos doidos para se aliviarem. Após uns cinco minutos, com a cara mais limpa do mundo, sai a garota completamente vestida, dá lhe um beijo estalado na face, uma bela piscada e fala com a vozinha dengosa:

– Muito obrigado. Ainda existe cavaleiros. – Falou e saiu rebolando… Com o canto dos olhos, Crispim a viu se enroscar no pescoço do cabeludo e saírem abraçados multidão adentro. O sucedido fez que ele se esquecesse até de mijar, voltou com tudo pra mesa e solveu sozinho naquela noite, três litros de vinho. Nunca mais viu a sua paixão de carnaval.

Agora, história de paixão carnavalesca quem tem mesmo é Rosinei. O jovem baixinho de óculos fundo de garrafa era conhecido em toda a cidade como Rosinha. Pense aí em um fanfarrão? Conversadorzinho feito o diabo, Rosa conseguia ficar horas arrotando vantagens. Quando amanhecia invocado bebia até baba de quiabo (desde que contivesse álcool), Só andava alinhado… cabelos escovados, pente flamengo no bolso, carteirinha polida na algibeira e todo metido a namorador. De birra, o baixinho ainda levava a tiracolo, uma lista manuscrita de garotas que ele afirmava com relativa convicção, já ter traçado em um ou outro momento da sua vida, embora, os seus amigos confirmassem apenas o dia em que ele confundiu uma turma de travestis com garotas e ao levá-los para uma festa na casa de um amigo, desencadeou o maior quebra-pau. Não ficou um móvel inteiro.

Em um destes carnavais, Rosinha não bateu de frente com um “mulherão” destes de capital? Pois foi… A danada era linda de tirar o fôlego. Carne batida, unhas postiças, rosto lambuzado de maquiagem, cabelo escovado e cada lapa de coxas que inibiria o mais voraz dos garanhões. Bem, a favor de Rosinha temos que admitir que ele nunca foi de se assombrar com nada. Se tiver cachaça, mulher e fiado na parada, ele entra de cabeça. Não quer nem saber…

De repente, eis o baixinho alugando as “oreias” da loiraça, cujos dentes pareciam saídos de um comercial de creme dental… Linda, exuberante e saltitante, a moderna e alegre menina ria das piadas sem graça de Rosinha, e entre um ou outro rebolado o agarrava e tascava-lhe mordiscadas no pé do pescoço. O indefectível vestidinho preto que usava, deixava as concorrentes desconcertadas. Além de metido a garanhão, Rosa tinha uma particularidade: só andava moqueado, e bastou perceber que a beldade estava mesmo afim da sua humilde pessoa, para juntar-se aos amigos e fazerem uma farra medonha na noite carnavalesca do Porto.

Lá pelas três da madrugada, as bandas encerrando a noite, todo mundo “medicado”, a loiraça já subindo pelas paredes, lá foram todos para a casa que os hospedavam, ficando cada casal em a um quarto. Iniciava-se assim a intensa noite de prazer. A garota, escolada, sugeriu que ambos fossem se amar na beira do rio para ficarem mais à vontade e curtirem a natureza. Assim fizeram.

Despiram-se e como vieram ao mundo se enroscaram na areia da prainha do rio… morde aqui, belisca lá, arranha aqui, baba acola, pega aqui, chupa lá e meia dúzia de amassos depois, a loira – moderna como era – pediu para Rosinha descer-lhe o malho.  Surpreso, o baixote olhou para a garota e bradou: – O que?

– Me quebra na porrada, porra! Não é homem não?

Para não parecer um ignorante, Rosa desceu-lhe o malho com toda a força que possuía. Pelados, trocavam simultaneamente, carícias e sopapos. Como até aquela noite, Rosinha desconhecia completamente o que seria uma experiência sadomasoquista, acabou tomando gosto pela coisa e o que era apenas para ser uma inocente noite de prazer, transformou-se em uma surra violenta.

– Me bate, desgraçado! Me bate, safado! Me quebre toda, vá! Calhorda! Judia desta cachorra, vai, bate, bate, bate! – Gritava

A loiraça moderna pedia e Rosinha, tome porrada, chutes, cabeçadas, socos, mordidas, beliscões, pescoções e tudo quanto há… Quando deu por fé a garota estava toda mochilada. Olho inchado, hematomas pelo corpo, boca sangrando, nariz quebrado, tufos de cabelos espalhados pela beira do rio e os moradores do Porto incrédulos. A moça gritou tanto que ninguém pregou o olho naquela noite. Assim que o dia clareou, os amigos levaram a garota para o hospital onde foi medicada às pressas, enquanto escondiam Rosinha.

Só sobrou à frase de seu Nenzim, velhinho de oitenta e tantos anos de idade. Se levantou assim que o sol nasceu, correu para o Bar de Coisa de Faé que também já estava acordado e ao ver o amigo, comentou com a cara mais safada do mundo:

– Cê viu Coisa Que diabo foi aquilo ontem de noite?

– Se eu vi? Quem conseguiu dormir com aquela gritaria?

O velhinho botou a mão no queixo, pensou por alguns minutos e falou com a voz trêmula, saindo com a sua varinha de pescar para a beira do rio:

– É fim de mundo, mesmo! Ó Coisa… Pode acreditar como existe Deus no céu! Nem em “Sumpalo” eu vi uma coisa dessas!

É… sem querer, Rosinha praticou abertamente a primeira cena sadomasoquista da história do povoado do Porto de Santa Cruz, que existe há mais de 300 anos.

 

FIM

Luiz Carlos Figueiredo

Escritor e Poeta

Cândido Sales, Bahia. Quadras de Março de 2025.

Crescente de Verão.