AMERICANAS SA, UM MICO?
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AMERICANAS SA, UM MICO?

Autor: Danilo Sili Borges

Com pesar, estou seguindo a desestruturação de uma das maiores organizações varejistas do país, não apenas pelo impacto que isso tem para o mercado de capitais, do qual tenho participado como micro investidor por toda a vida, mas como cliente e frequentador a partir de uma das suas primeiras lojas, senão a primeira, ainda na minha infância.
Lojas Americanas foi criada, em 1929, em Niterói, para onde fui transplantado ainda de fraldas e vivi até ser envolvido, como centenas de milhares de brasileiros, na gloriosa marcha para o Oeste, nos anos 50 e 60 do século passado.
Na “Americana” de Niterói descobri, aos 8 anos, as delícias do milkshake, da banana split, do misto-quente e da sensação de liberdade ao sair do Colégio José Clemente com a molecada e ir até aquela loja mágica, cheia de pequenos objetos – carrinhos de plástico, lápis de cor, borrachas importadas, pacotes de bala expostos na altura dos nossos olhos. Quando havia folga na mesada um agrado à gula, um sorvete dividido entre dois amigos.
Recém-casados, Zélia foi de Minas para Niterói e logo descobriu o cachorro-quente da “Americana”, do qual ela lembra, como o melhor que já comeu, com molho de tomate, cebola e pimentão aos pedaços. Tenho, e me dei conta agora, da memória afetiva com a organização.
Desde que comecei a ter vida econômica regular, quando ingressei no curso de engenharia e fui dar aulas em cursinhos pré-vestibular, decidi aplicar em ações. Eu conhecia a teoria de como o capital de uma empresa se dividia em parcelas que podiam ser vendidas e compradas a qualquer tempo. Sabia de riscos e oportunidades.
Procurei uma corretora de valores, declarei minha inexperiência, exposta na minha cara de um jovem de 19 anos e pedi orientação para um primeiro negócio, uma compra de papéis. O corretor explicou-me a parte prática das negociações e me sugeriu ações da centenária e conceituada América Fabril, uma indústria têxtil.
Comprei e passei a acompanhar suas cotações. Elas só caiam. Voltei ao corretor na intenção de vendê-las, mas ele me orientou: “com o preço baixo, o papel está atrativo, compre mais um pouco e o seu preço médio cairá, logo que o papel subir você estará no lucro”. Comprei! Após alguns meses foi declarada a falência da América Fabril.
A verdade é que desde aquela operação, nunca mais passei um dia em que não tivesse em mãos algumas ações, além de outras aplicações no mercado. Nada expressivo, tudo compatível com minha condição de professor e de eventualmente pequeno empresário. Estudei o mercado, fiz cursos, li, fiz amigos no segmento.
Comecei com o pé trocado, mas insisti. Acho que não há investidor, tenha o tamanho que tiver, que não tenha passado por insucessos, erros de avaliação, ou golpes dados por criminosos que ali atuam. Tenho no meu arquivo pessoal uma pasta intitulada “MICOS”, na qual coleciono transações em que fui o otário nesse mercado. Os que já comeram muitos panetones, como eu, se lembrarão do ruidoso caso da Coroa – Brastel, títulos frios emitidos com a conivência de autoridades monetárias e políticas, que tomou dinheiro de muita gente, inclusive o meu, isto ainda antes da redemocratização.
Caso rumoroso, foi o da COBRASMA, uma grande empresa, fabricante de ônibus e de vagões ferroviários. Apresentando balanços irreais, fez lançamento de novas ações para aumento de capital por meio e com respaldo de 3 ou 4 grandes bancos. Montagem de um protagonista do mundo financeiro, o Vidigal. Deste eu me livrei, por orientação e amizade de um experimentado operador da bolsa, que ao me ver decidido a fazer o investimento, me disse: “segura uns dias, não estou gostando do cheiro disso”. Tenho outros “micos” no arquivo.
O amigo há de estar perguntando: E por que você continua investindo nesse mercado?
– Primeiro, porque também há sucessos. E de acordo com minhas disponibilidades e capacidade de tolerância ao risco, meus resultados são positivos na atividade. Mas, o mais importante, o investidor deve estar atualizado com economia, com política, com avanços tecnológicos e novas práticas negociais, no país e no exterior. O investidor no mercado de capitais tem que ser pessoa do mundo e do seu tempo.
Leis foram alteradas ao longo destes anos, hoje a CVM – Comissão de Valores Mobiliários tem autoridade para controlar, impedir e punir fraudes. Os balanços das empresas são apresentados segundo padrões definidos e submetidos obrigatoriamente a auditorias contábeis. Como se pode explicar que do balanço das AMERICANAS SA tenham desaparecido 20 bilhões de reais sem que ninguém percebesse? Até mesmo os bancos que financiavam suas operações passaram batido? É tudo muito estranho!
As repercussões para a economia são imensas, além dos óbvios prejuízos materiais. A credibilidade do mercado e do país, sempre necessitando de capital externo, fica abalada.
Americanas deve ao mercado 43 bilhões, está em recuperação judicial, 16 mil de seus fornecedores de algum modo serão prejudicados, além de seus 150 mil acionistas diretos, que ficaram com o “mico” na mão.
A debacle de uma empresa desse porte gera milhares de desempregados diretos e indiretos.
Empresas existem em ambientes do risco dos seus mercados e podem falhar, mas esse não parece ser o caso.
Apurar e punir é preciso. Na economia, na política e, afinal, em todas as atividades humanas credibilidade é essencial.
Crônicas da Madrugada.
Brasília, janeiro de 2023
Danilo Sili Borges
[email protected]
Membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA
Diretor de Ciências do Clube de Engenharia de Brasília