Uma enorme doação de equipamentos hospitalares chineses por uma empresa norte-americana se tornou o proverbial “presente de grego” para o Brasil. A ajuda humanitária, com valor estimado de US$ 155 milhões (cerca de R$ 810 milhões) se mostrou imprestável, segundo avaliação do Ministério da Saúde, e apenas a incineração do material que chegou vai custar R$ 10 milhões e demorar sete meses. Enquanto isso, os cofres públicos bancam os custos de armazenamento – valor que não está incluído no prejuízo potencial.
A ajuda que virou abacaxi está sendo investigada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que cobra do governo federal informações sobre as condições em que a doação foi aceita e medidas para evitar um prejuízo maior ainda ao patrimônio público.
Os produtos doados são aventais hospitalares que foram oferecidos ao Brasil como ajuda humanitária no contexto da pandemia de coronavírus. Quem bancou a doação foi a McKesson Medical Surgical, uma das maiores distribuidoras de equipamentos hospitalares dos EUA.
A oferta era de 85 milhões de peças, que viajariam em 900 contêineres por conta da empresa doadora até o Porto de Santos (imagem em destaque), onde o governo brasileiro assumiria os custos de desembaraço alfandegário: transporte, estocagem e distribuição.
A ajuda humanitária foi celebrada pelo governo brasileiro em seus canais oficiais de comunicação, veja:
Em dezembro do ano passado, quando o material começou a chegar, porém, as autoridades sanitárias perceberam defeitos e contaminação por mofo em alguns poucos pallets analisados. Isso, concluiu o Ministério da Saúde, tornava todo o material inútil, mesmo que os aventais tenham chegado em datas diferentes, em carregamentos espaçados.
O governo então pediu à empresa que interrompesse novos embarques, mas o Brasil já havia recebido 324 contêineres. Atualmente, a pasta paga para manter em estoque em São Paulo 26 milhões de aventais que considera imprestáveis.
As cobranças do TCU
A investigação sobre os aventais (teoricamente) mofados corre junto a procedimento noticiado pelo Metrópoles no último dia 15 de junho, sobre o risco de prejuízo de R$ 1,23 bilhão decorrente da perda iminente de 28 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19.
Em decisão da mesma data, o ministro Vital do Rêgo, do TCU, determinou ao Ministério da Saúde que explique o processo decisório de aceitação da doação dos aventais cirúrgicos, com informações sobre a demanda nacional por tamanha quantidade de aventais hospitalares; capacidade de armazenamento e distribuição dos materiais e custos totais previstos para dar fim aos produtos.
Em sua comunicação oficial ao aceitar a doação, o governo federal informou os órgãos envolvidos no processo decisório:
A instrução processual do TCU, à qual o Metrópoles teve acesso, relata que as primeiras cargas de aventais chegaram em boas condições e foram distribuídas na rede pública de saúde, mas logo as cargas começaram a chegar com avarias de suas viagens de navio. Foi então que o governo brasileiro pediu a interrupção dos envios.
A investigação apurou com servidores responsáveis pelo estoque de insumos médicos que a incineração de toda a carga vai demorar cerca de sete meses, devido à capacidade de processamento das empresas que realizam tal serviço, e custar R$ 10 milhões. O prejuízo, porém, é maior.
“Segundo informações recebidas em Guarulhos, a estocagem dos aventais demandou o aumento do espaço de armazenagem contratado pelo Ministério da Saúde junto à VTCLOG em 10 mil posições pallet”, diz o documento, referindo-se à empresa responsável pela logística de insumos.
“Assim, embora a doação tenha sido um ato de aparente generosidade em favor do governo brasileiro, com exceção da primeira remessa que chegou a ser distribuída, não foi possível ao país beneficiar-se dos produtos, além de ter gerado custos de desembaraço aduaneiro e transporte até o estoque, armazenagem e incineração, ainda a serem mensurados e acompanhados, oportunamente”, diz o documento usado por Vital do Rêgo para basear sua decisão.
Fonte: Metropoles | Foto: Divulgação