Adeus ano velho, feliz ano novo! É lá se vai 2024 abrindo passagem para a chegada de 2025. Quando menino, a minha principal diversão na virada do ano era conseguir um daqueles famosos almanaques distribuídos gratuitamente pelas farmácias. Munido de um, eu obtinha uma aula fabulosa de conhecimentos gerais. Lia de trás pra frente, ficava horas me deliciando com a página de curiosidades. Neste dito almanaque o ano novo era representado por um recém-nascido e o velho por um debilitado ancião, cuja barba batia no chão. Eu ficava embasbacado com aquilo. Como assim? Um tinha que morrer para que o outro pudesse nascer? Pois sim. Esta contagem de tempo foi criada há dezenas de anos pelos sumérios, são 365 dias de labuta e sobrevivência o que na prática, se resume na busca incondicional do prazer. Viver, por si só, já é um prazer. Mesmo sabendo que o prazer é relativo, podemos encontrá-lo de várias formas. Uma boa prosa, na degustação de um bom livro, em uma boa noite de sexo, ouvindo uma boa música, tomando uma taça de um bom vinho, um copo de cerveja estupidamente gelada, e, obviamente… no orgasmo propriamente dito… Desde que o mundo é mundo é assim que caminha a humanidade buscando prazer…
Aqui em Candin, na véspera do ano novo saíam pinchando os muros dando as boas-vindas ao ano que chegava. Tinha até bailes no antigo Clube Social que era presidido por Diacísio da Rocha Viana. A “alta sociedade” dançava a noite inteirinhazinha à luz de candeeiro, ao som da sanfoninha oito baixos do presidente e nas mungangas de um panderista – geralmente era o Nego Areré que fazia esta “deferença”. O inconveniente era que Areré não era muito chegado a tomar banho e quando o calorzão subia o fedor do nego se espalhava pelo recinto. Ninguém aguentava a catinga. Iam todo mundo pro lado de foral
Nos meados dos anos 1970 o nosso orgasmo como adolescente se resumia a uma cena ou outra de um filme de Tony Vieira (Cineasta da “Boca do Lixo”, conquistou um milhão de espectadores com A FILHA DO PADRE em 1975) exibido no velho cinema de Geraldo Gomes. O cinema lotava de um jeito que metia até medo. Algumas coisas eram certas nos filmes de Vieira, putaria, tiroteio, brigas e mulher pelada. Pra molecada, aquilo era um prato cheio. Era o prazer emanado pelos poros. A coisa melhor do mundo. Nos dias dos filmes da Boca do Lixo a plateia se resumia basicamente à molecada na faixa de 13, 14 anos. A censura aqui era livre! A zeladora do velho cinema sofria no dia seguinte.
Além destes filmes existiam também os livrinhos adultos (os catecismo de Carlos Zéfiro) que os maiores de idade vendiam aos olhos da cara. Juntava-se um grupo de cinco ou seis moleques para adquirir por uma “fortuna” um livrinho daqueles. Muitas vezes uma ou outra Playboy americana chegava em nossas mãos. Quando isso acontecia, a meninada enlouquecida saía chamando um ao outro até juntar uma multidão que se reunia em um munturo qualquer apenas para folheá-la. Após ficar horas observando as fotos coloridas das americanas peitudas com a baba escorrendo queixo abaixo, corria cada um para um lado. Era inapelável a covardia da fricção dos cinco contra um!… Houve um tempo em que uma renca de jovens que existia por aqui, cheios de energia pra dar (e vender), fazia tudo por dinheiro. Assim que alguns comerciantes atinaram para este “potencial econômico”, criou-se por aqui uma espécie de “indústria” de homens que pagavam para terem outros. Quase todos respeitáveis cidadãos financeiramente resolvidos, que adoravam subsidiar as noites de prazer destes rapazolas. Munido da grana, a rapaziada se reunia no Bar de Dázio, comendo o melhor bucho da cidade, tomando suas canjebrinas e discutindo quem fora o campeão de arrecadação.
Neste tempo existia por aqui um caboclinho alcunhado de Lauzim Zarôi. Sonso de fazer dó, porém, não levava desaforo pra casa. Vesgo por natureza, o moço andava pelas ruas todo trôpego, usava uns óculos imensos com lentes fundo-de-garrafa, que comparando mal, parecia um espantalho. O sonho de Lauzim Zarôi era aprender o ofício de motorista. Vira e mexe lá estava ele dentro de uma cabine observando os jeitos e os trejeitos do motorista. Assim que começou a ficar meio taludinho, o jovem deu de frequentar a farmácia de seu Gregório, que, rezava a lenda, adorava ser massageado por garotos. Lauzim não era assim, um exemplo de beleza, mas, em tempo de guerra (diante da seca que seu Gregório atravessava) até que quebrava um galho. Assim, juntou-se a fome com a vontade de comer (neste caso, literalmente). Logo, viraram os melhores amigos. Diariamente se via o velho Gregório passando as instruções de chofer para Lauzim Zarôi que assimilava o aprendizado em tempo recorde, inclusive, conduzia a rural do comerciante pra cima e pra baixo. O que não se sabia era que enquanto o menino se preocupava com todo o mecanismo… embreagem, volante e engrenagens, as hábeis mãos do farmacêutico exploravam sofregamente suas partes íntimas, em uma intensidade estonteante. Muitas vezes simulava a alavanca das marchas utilizando a “ferramenta” de Lauzim como protótipo que doido para aprender a dirigir, ignorava solenemente o abuso, mesmo quando o velho usava a boca murcha como trampolim para dar cangas na dentadura postiça que ele guardava em um copo de água na hora de dormir.
Quando se achou pronto pra tirar a habilitação, seu Gregório exigiu a contrapartida e o convidou para ir até uma estrada deserta que dava acesso à cidade de Encruzilhada (vizinha da nossa) e quando Lauzim achou que estava abafando, sendo engolido pela dentadura acrobática, seu Gregório deu uma bistunta e completamente irreconhecível lhe abufelou… e para desespero do pobre míope lhe apresentou grotescamente o seu pra lá de enrijecido “instrumento de trabalho”:
– O pau que dá em Chico, dá em Francisco. Chegou a hora do pagamento das aulas. – Falou revirando os olhos e babando igual um epiléptico. Pra que? Olha, Lauzim nunca foi assim, um atleta de ponta, diante da visão tétrica daquela coisa rígida, latejante e avermelhada, o caboclinho babatou as suas roupas e desembestou pelado rodagem abaixo quebrando todos os recordes de velocidade, zoado pelos motoristas… O medo foi tanto que Lauzim ficou meses sem sair de casa, sonhando atordoado com a “bengala” de seu Gregório.
Algum tempo depois, Zarôi foi indicado para trabalhar na primeira agência bancária que chegava a este torrão. Uma rápida viagem à Soterópolis, um treinamento full time, um contrato assinado às pressas e lá estava ele na agência local envolto a papeis, carimbos, calculadora, cash e um matulão de aporrinhações. Quando recebeu o primeiro salário achou que estava rico, saindo gastando à torto e a direito. Como tinha um bom emprego, deu uma bistunta e se invocou de casar.
– Preciso me casar logo! Casa sem mulher não é casa! – Como morava em um imóvel alugado que não fazia vergonha a ninguém, comprou a mobília em suaves prestações e saiu à caça de uma digníssima. Assediou mais da metade das donzelas de Candin. – Como é o seu nome, moça? – Joana! – Respondia a educada garota!
– O meu é Lauzim, funcionário do Banco! Ganho bem. Se case comigo? – De tanto insistir acabou se matrimoniando. Bastaram dois meses para ele perceber que o seu casamento era uma bosta. Com seis meses o relacionamento sem amor virou um inferno. Para piorar, o bancário virou um alcóolatra bebendo tudo quanto há… Dona Maricota, sua senhora, nem era assim tão bonita, porém, para Lauzim era uma princesa. Quem a via na rua toda educada, jamais imaginaria que o prazer da esposa era dar uma surra todo santo dia no marido. Sim. Se divertia surrando o infeliz. Chegou ao ponto de quebrar um rádio de pilha na cabeça do coitado no exato momento em que o falecido narrador Jorge Cury narrava um gol de Zico contra o Vasco da Gama. Além de moer Lauzim na pancada, Dona Maricota só se satisfazia se batesse no meio da rua pra todo mundo ver. Geralmente a surra acontecia aos domingos, logo depois da missa. O coitado comia o pão que o Diabo amassou. Tinha que chegar em casa até as oito, se passasse um minuto o pau comia. Sabendo disso, alguns amigos (da onça) o segurava de proposito só pra ver o tumba. Quando chegava em casa o pau comia:
– Isto é lá hora de você chegar, seu safado? – Já perguntava descendo a ripa!
Após a surra iam pra debaixo dos lençóis de cambraia, onde os gemidos entrelaçados varavam a noite! Este era o outro prazer de Dona Maricota. Muitas vezes Lauzim saía cansado do trabalho e após tomar duas talagadas, desabafava chorando pros colegas. – Vou me separar… Não aguento mais esta mulher.
Era passar do horário e lá vinha ela pegá-lo pela orelha. Atravessa a praça lotada judiando do coitado. Eram tapas, bordoadas. bofetes, chutes e safanões. deixando as orelhas do pobre coitado em carne viva. Mas, nada é tão ruim que não possa piorar. Eis que chega a virada de ano, aproveitando que dona Maricota recebia alguns familiares dos Gerais, Lauzim, empolgado com os fogos de artifício se encharcou de pinga e ficou na rua até meia noite. Ao ver os amigos irem pro brega cismou de acompanhar, bêbado igual um gambá! – Lauzim, volte pra casa que Maricota vem lhe buscar! – Insinuavam os colegas. – Que nada! É hoje que eu vou mostrar pra ela quem é que manda lá em casa. O homem da casa sou eu, ela tem que me obedecer!… Vai ser do meu jeito a partir de agora!
Grogue, uniu-se a dois outros colegas e comemorando a chegada do ano novo foram diretamente para a “Toca da Onça”, a mais famosa boate que existia por aqui. Lá, após dançar umas duas ou três marchinhas de carnaval, deu de se engraçar para os lados de “Fulaninha”, uma sarará miolo, oriunda da “Vila do Poção”. Depois de um agarra-agarra. entre beijos, apertos e beliscões, a garota conseguiu – com extrema dificuldade – arrastá-lo literalmente para um quarto, que para o azar dele era o primeiro do grande salão.
Morde aqui, beija ali, sopra lá e eis que de óculos (usava até pra tomar banho) e extremamente “medicado” um Lauzim pra lá de desajeitado procurava um jeito de enxergar através das lentes embaçadas. Enquanto limpava os óculos a turbinada sarará dava um show deitada na cama, nua como viera ao mundo e com as pernas arreganhadas em direção ao teto!
– Vem aqui, bem! Me abraça, vem. Deita aqui, me beija…
– Hummm… Vou lhe rasgar todinha…– Falava com a voz embargada. – Se prepara que aqui vou eu… vou lhe deixar doidinha…
Não deu nem tempo direito de admirar a paisagem… O infeliz ainda estava “nos entretanto” quando a porta foi arrombada o fazendo pular da cama… Nem teve tempo de se esquivar do jarro que passou zunindo no seu pé do ouvido. Mal enxugou os óculos já deu de cara com Dona Maricota azoadíssima, armada de uma mão de pilão, descendo os cacetes na penteadeira da “profissional”. Quebrou tudo o que tinha pela frente, não ficou um frasco de perfume inteiro. Amedrontada, Fulaninha correu nua pelo meio do salão, lotado de motoristas, comemorando a morte do ano velho. Enquanto a moça era aplaudida de pé, Lauzim em pânico, corria atrás com as roupas na mão, usando apenas uma cueca surrada, levando “pilungadas” à torto e a direito! Foi apanhando do cabaré até em casa (do outro lado da cidade) seguido por uma renca de curiosos.
Reza a lenda que naquela noite, Lauzim Zarôi fez o melhor sexo da sua vida. O ano novo chegou com eles agarradinhos e aos beijos debaixo do cobertor, como se fosse o casal mais apaixonado do planeta!
Moral da História: A mão que afaga é a mesma que apedreja!
FIM
Luiz Carlos Figueiredo
Escritor e Poeta
Cândido Sales, Bahia. Verão, 2024.
Dezembro, “bespa” de 2025.