CHEGA DE LAMBANÇA.
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CHEGA DE LAMBANÇA.

Rapaz, o tal do Lambança é de lascar! Não estou aqui falando de uma pessoa qualquer não, estou falando do maior fanfarrão, encrenqueiro, fofoqueiro, beberrão e brigão que existe por aqui. O cara faz cada uma que até o capeta duvida…  – Você é bom? Sai aqui pra ver o que é bom pra tosse! – Maneco era um chapa pacífico de fazer dó, era zoado por todos por ter um dentão horroroso na boca, ojerizava brigas, porém, quando insultado fundava dentro… e Lambança ali, querendo brigar. – Vocês estão vendo? Ele não aguenta um cascudo!  – Dizia Maneco evitando ir às vias de fato diante da provocação de Lambança. Para quem está pensando que Lambança é algum rapazola irresponsável, cheio de problemas, não é? Bem, novo ele deve ter sido algum dia, hoje está quase batendo nos 80 e continua encrenqueiro. – Sai aqui fora seu monte de banha! Se eu lhe der um soco e você se levantar, eu corro… morro de medo de defuntos!!!!

Lambança chegou aqui rapazola vindo do Sul da Bahia. Chegou ao município com uns 12, 13 anos de idade. Nesta época “Candin” (ainda Nova Conquista) nem pensava em se emancipar. Sempre esperto, ele ajudava sua família vendendo arroz doce e pirulitos aos araras que davam por este torrão trepados nos famosos caminhões que os conduziam para São Paulo/Triângulo Mineiro. Assim que que ficou meio taludinho e criou uma crostinha, passou a dominar o habitat em que vivia. Vendia mais que todo mundo, conversava mais que a nega do leite e brigava feito o capeta. Saía na porrada com Deus e o mundo e não perdia uma briga, muitas vezes, brigava com dois, três de uma só vez e deixava todo mundo moqueado. A seu favor é bom que eu diga que além de todos estes predicados, o caboclo jogava uma bola lascada. Ponta direita magérrimo, com uma velocidade estonteante, o que deixava os marcadores completamente atônitos. Quando não estava trocando porrada com algum desafeto, ou vendendo suas guloseimas nos paus-de-arara, lá estava ele entortando seus marcadores.

Com 16 anos de idade, o moço deixou a família, e em busca de um futuro melhor, pegou um Ita e partiu para o norte buscando fazer o seu pé de meia. Assim que chegou, entrou em uma empreiteira e foi ajudar a construir a famosa transamazônica. Lá, arranjou uma manauara e constituiu família, retornando a este torrão no ano da graça de 1980 (quase 20 anos depois) já com esposa e quatro filhos adolescentes. Quem ainda se lembrava dele ficou curioso para saber se o casamento dera algum juízo àquela cabeça desmiolada. Lambança retornou à Candin todo lorde, terno branco, chapéu de seda e um invejável currículo que o fez entrar na principal companhia elétrica da região. Não demorou muito para os antigos amigos perceberem que o ex-encrenqueiro tinha mudado pra pior. Bebia o triplo do que bebia, brigava o dobro de quando molecote e ficara muito mais esperto do que era, passando a perna em quem cruzasse o seu caminho, muitas vezes de forma literal.

Cinco anos depois do falecimento da sua esposa e de um dos filhos, o caboclo ficou ainda pior. Nesta altura já não dispensava ninguém, acasalando com homens, mulheres e até animais… certa noite ao sair de um baile, um grupo de amigos observara a distância uma munganga lascada debaixo de um caminhão, ao se aproximarem, constataram indignados que tinha alguém se aproveitando da santa inocência de uma pobre andarilha que vivia pedindo esmola pelas ruas. De longe ouvia-se apenas gritos e gemidos e se viam os dois corpos nus, enroscados. Quando chegaram perto, viram a andarilha uivando igual um lobisomem, mordendo e arranhando o corpo de Lambança que mandava ver na coitadinha, ali mesmo no papelão. Baseado na catinga que a moça emanava, devia ter mais de um ano que a pobre não tomava banho. Mas quem disse que ele estava ligando?  – Me deixa em paz, bando de Zé Ruelas. Tão ciumando é? Ela é minha, arranja uma pra vocês e deem o fora! – Gritou enfurecido sem parar o serviço.

Algum tempo depois, ao ver um caminhão de romeiros partindo pra Bom Jesus da Lapa, Lambança arranjou um atestado de saúde falso, subiu na boleia do pau-de-arara e capou o gato. Durante o trajeto, entre um ou outro gole de canjebrina só se ouvia a voz trôpega do fanfarrão. Cantava que era uma beleza: – “A Igreja da Lapa foi… feita de pedra e luz… Vamos todos visitar… o meu Senhor Bom Jesus… Senhor Bom Jesus da Lapa… É um santo de caridade… Ele dá esmola ao cegos… e aos pobres e aleijados… Somos romeiros de longe… É a fé que nos conduz…Vamos todos para a Lapa… Visitar o Bom Jesus (…)”. – E tome pinga, e tome cantoria, e debaixo da lona lá estava Lambança passando a mão nas rezadeiras… Enquanto as pobres beatas chegavam ao destino todas “escanxembradas” devido ao desejo incontido e ao sacolejo do velho caminhão, Lambança descia do carro mais aceso que Dragão. Enquanto as velhinhas procuravam um lugar adequando onde pudesse rezar e cumprir suas obrigações, o nosso ilustre “cachaceiro” saía de bar em bar tomando cachaça e jogando bilhar. Em um boteco de periferia, entupido até os beiços de encrenqueiros, ele não se auto convidou para jogar uma partida de 21? Pois foi.

– Só jogo apostado duzentos, quem topa? – Não faltou que topasse e logo, com a mesa cheia de dinheiro, lá estava Lambança enchendo a burra de grana. Batia praticamente todas as mãos. – Vou sair de Nova Conquista pra vir perder dinheiro aqui na Lapa pra esta renca de bestas, eu lá sou algum idiota? Ganhei mais uma! – Dizia o fanfarrão jogando as cartas na mesa e enchendo os bolsos. Lá pras tantas, descobriram que Lambança estava roubando e o tempo fechou. Uns cinco ou seis cabras de pêa se invocaram de lhe dar um pau e ele se viu obrigado a usar sua toda a sua habilidade para não apanhar muito. Diante dos golpes saiu pulando igual um caçote em cima das bancas de sinuca, pegou dois tacos e enquanto levava porrada de tudo que era lado, se defendia como podia descendo o taco nos adversários. A briga só parou com a devida intervenção da gloriosa polícia militar que vendo aquela renca de fregueses com as testas rachadas e os bolsos do visitante cheio de cartas e abarrotado de dinheiro, não teve dúvida de quem seria preso. Meteram Lambança no xadrez. Só foram dar por fé da ausência do encrenqueiro no dia seguinte, quando o caminhão estava prestes a sair e ele não tinha aparecido. Após um breve visita ao hospital e ao necrotério, o acharam em uma cela jogando porrinha com um monte de delinquentes. Sorte ter um militar aposentado no meio dos romeiros que exigiu a sua libertação imediata. Apesar de terem confiscado toda a sua grana, Lambança ainda voltou arrotando ter ganho uma nota preta dos bestas da Lapa.

Recentemente este caboclo comprou uma casa no Bairro Primavera onde mora sozinho. Sua diversão predileta e levar duas ou três garotas de vinte e poucos anos para fazerem orgia. Do alto dos seus quase 80 anos, ele se entope de “azulim”, faz uma feijoada caprichada e enche a geladeira de cerveja. Passa a noite inteirinha dançando funk, todo mundo pelado. No final da noite todos dormem como vieram ao mundo, amontoados na mesma cama.

Tudo estava indo bem até que ele se invocou de levar três garotas que ele mal conhecia. Meninas lindas, falantes, torneadas, bem vestidas, cheirosas e carinhosas. Após comerem e beberem tudo o que havia na geladeira, tiraram as roupas e foram dançar funk, de comum acordo deram um “boa-noite Cinderela” pra Lambança que desabou no sofá. Enquanto o malandro roncava, as meninas davam uma geral na casa recolhendo tudo que pudesse ter algum valor e após fazerem três trouxas enormes (uma para cada uma delas) com os pertences da casa, deram com os burros n’água. A casa estava trancada (portas e janelas) com cadeados enormes e cadê as chaves? Após mais de duas horas procurando, acharam melhor devolverem o produto do roubo e acordar o dono da casa que nesta altura roncava mais alto que a música funk.

Após arrastarem o moço completamente pelado para debaixo do chuveiro frio, o deixaram sob a água por mais de meia hora até ele recobrar a consciência. Ao despertar meio grogue o malandro se lembrou delas tirando o dinheiro da sua carteira. A ficha caiu na hora.

– Acorda, Lambança. O dia está amanhecendo. Precisamos ir embora.

– Ué! E não foram porquê? – Indagou o malandro com a cara mais limpa do mundo. – Vocês não acharam a chave, né? Só porque tenho 80 anos vocês pensaram em me passar a perna? – Já falou puxando os cabelos das garotas.

– Melhor deixar a gente em paz, fala onde você escondeu a chave, vá! Vou ligar pra polícia! – Lambança olhou pra elas e disse tirando onda: – Liga que eu digo que vocês me drogaram e queriam me roubar. E vou logo avisando, sou amigo do delegado, ouviram? – Ameaçou. – Está bem, devolvemos tudo, agora onde está a chave? – Sentindo fraqueza, Lambança exigiu: – Está pensando que é só assim? Primeiro vamos terminar o que começamos, depois vocês vão dar uma geral na casa para aprenderem a não roubar de idosos. – E assim foi feito. A orgia aconteceu conforme programado e de brinde as garotas ainda limparam a casa todinha antes de serem libertadas.

Mas, voltemos à briga de Lambança com Maneco. Após ser acusado de estar roubando no dominó, Lambança virou o capeta, saiu pra fora do bar e queria por que queria bater em Maneco que tinha quase 2 metros de altura e os braços desta grossura. Do lado de fora ele desceu dos tamancos e esculhambou o chapa que ouviu tudo calado, já que, segundo ele, não gostava de bater em idosos. Alas que após xingar exaustivamente o desafeto, Lambança deu uma bistunta e gritou:

– É o jeito eu comer a sua mulher, só assim ela vai ter um homem. – Ao ouvir a ofensa, Maneco ficou cego de raiva e quando saiu viu Lambança partir pra cima dele.  Ágil, o chapa se desviou da porrada e desceu um murro na cara do fanfarrão. Quem viu conta até hoje… Quando Maneco bateu, Lambança voou para um lado e a dentadura para o outro, caindo na porta do boteco rodando igual um pião. Enquanto Maneco saía de fininho, a turma socorria Lambança com a boca inchada e toda lambuzada de sangue.

– Minha chapa, pelo amor de Deus traga a minha dentadura! – Gritava Lambança com a boca murcha. Claro que a dentadura foi salva e depois desta, nunca mais Lambança quis saber de brigar!

FIM

Luiz Carlos Figueiredo

Poeta e Escritor

Cândido Sales, Bahia. Quadras de Agosto de 2024. Lua Nova de Inverno.