JUJU E O GLORIOSO ESCRETE DE “CANDIN”.
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JUJU E O GLORIOSO ESCRETE DE “CANDIN”.

“Candin” sempre teve fama de ter um bom futebol. Nos anos 1959/1960 já dávamos trabalho aos nossos adversários. De lá pra cá grandes jogadores passaram por aqui e muitos “grossos” também. Vamos falar de alguns craques, dos “pernas-de-pau” e até de alguns torcedores símbolos desta terra. Como é impossível falar de todos, vamos por partes (diria Jack).

VALDEMARZINHO – Segundo os mais antigos, Valdemar foi o maior goleiro que já existiu por aqui (e olha que eu vi Diogo, Zé de Saturna, Amilton, Dumbão e muitos outros). Valdemar foi morto a tiros em 1962 em uma briga com funcionários da CAVO que na época asfaltava a BR-116. O irmão do goleiro, conhecido por Louro, vingou a morte do goleiro na mesma noite matando a facadas o irmão do assassino. Este guarda-metas quando invocado, virava um paredão. Contam os mais velhos que eu, que ele deixava propositalmente a bola passar para em seguida dar dois ou três saltos mortais pra trás para pegá-la antes dela ultrapassar a linha do gol.  Era um artista da bola com apoteóticos espetáculos debaixo da meta.

ZÉ DE SATURNA – Foi goleiro por um bom tempo da Seleção de Nova Conquista. Nunca foi excepcional, porém, não fazia feio. Tinha o apelido de “PIPA” por só andar “medicado”, bebeu a sua cota etílica – incluindo o volume morto – antes do tempo. Jogava só pra beber cachaça. Era muito bom nas bolas altas. Saturna, hoje, é um ilustre morador da cidade de São Paulo e morre de saudades deste torrão.

CARCARÁ E BILOZA – Esta era uma dupla fabulosa. Nenhum dos dois perdia um jogo do time de Nova Conquista. Biloza assistia a todos os treinos do time, sempre de cócoras. Já tinha o cantinho dele demarcado na beira do campo. Ao chegar já ia se acocorando e assistia ao jogo todinho. O mundo podia acabar que ele não deixava o seu cantinho. Nem nos gols se levantava para comemorar. Carcará, o querido pai de Marron, nos dias de jogos vendia amendoim torrado ou laranjas de umbigo. Faziam filas para se comprar as laranjas de Carcará que já tinha um carrinho adaptado com uma maquininha para descascá-las com precisão. Quando era amendoim, Carcará ficava debaixo do centenário pé de surucucu que fazia parte da paisagem do campo (Augusto Flores) gritando:

– Olha aê, freguesa, olha aê freguês, olha aê o amendoim torrado, faz o velho ficar moço e o moço mais apurado!

BAIÃO – Para muita gente fora um craque. Pesava 150 kilos e tinha um chute tão violento que assustava a maioria dos goleiros. Nos anos 1970 formava o meio campo do nosso escrete com Adilson (pai de Júnior Burrai) e Wilson Ferraz. Claro que não aguentava correr, mas foi o jogador que mais marcou gols chutando do meio de campo. Era também o batedor oficial de pênaltis da cidade. Batia colocado no cantinho do gol com um aproveitamento extraordinário. Ah, sim! A história de que ele matara um goleiro com o seu potente chute, era um Fake News criado na época.

WILSON FERRAZ – Para muita gente, o Gazo foi o melhor jogador de futebol da nossa história. Jogava praticamente em todas as posições com uma regularidade impressionante. Cabeceava muito, tinha um índice de acerto de passes fabuloso e era o batedor oficial de faltas do time nos anos 1970. Não gostava de perder nem palitinho, quando perdia, chorava!

BADIM – Ao lado de Celson formou a dupla mais popular dos jogadores da nossa história. O negão cansou de driblar times inteiros com as suas arrancadas apoteóticas. Foi ídolo e o mais conhecido boleiro da cidade por um bom tempo. Depois que quebrou a perna contra um time de Vitória da Conquista, se recuperou e jogou ainda por vários anos, porém,  nunca mais foi o mesmo.

MIRANDA – O dono das Casas Miranda sempre foi um dos maiores incentivadores do futebol de Cândido Sales. No início dos anos 1980 ele ofertava um Rádio apelidado de DUNGA (da marca Moto-rádio) para o melhor jogador da partida. Zé Preto deitava e rolava. Às vezes Miranda jogava no segundo quadro do time da cidade, nunca teve muita habilidade, embora, tenha sido dele o gol que desclassificou o excelente time do Palmeirinhas de Badim quando jogava no time do Rio Negro em um campeonato local.

DULA – Este pegava até pensamentos. Só jogava “medicado”. As más línguas diziam que ao entrar cambaleando em campo ele enxergava duas bolas e ia sempre na bola certa. Já no final de carreira os companheiros tinham que prendê-lo um dia antes da partida para que ele jogasse sóbrio. Reza a lenda que ao descarregar uma carga de madeira, uma patrona caiu na bestagem de lhe dar uma picada e caiu durinha aos seus pés. Reza a lenda que no sangue de Dula tinha mais cachaça que plasma.

BERTÃO – Foi o maior torcedor do nosso futebol. Tinha quase dois metros de altura e pesava mais de 100 kilos. Não perdia um treino ou uma partida do time de Nova Conquista (podendo ser aqui ou em outras cidades). Às vezes quando o carro não tinha vaga, algum jogador deixava de ir para que Bertão fosse. Nos treinos era o incumbido de segurar os relógios dos jogadores. Certa feita recebeu uma bolada de Wilson Ferraz, quebrando apenas um dos relógios, foi quando o lateral Maximino (que se considerava o homem mais azarado do mundo) gritou lá do meio do campo: – Apostado que é o meu? – E era! Bertão foi vítima de um acidente com o carro que trabalhava transportando doces e biscoitos. Morreu queimado, preso às ferragens!

ZEQUINHA – Foi um dos maiores ídolos da nossa história. Centroavante habilidoso e matador, gostava de  jogar no meio dos zagueiros. Quando a bola sobrava botava nas redes com uma categoria invejável! Quando o jogo era duro, ele marcava o gol de bicicleta e enlouquecia a torcida. Era tão habilidoso que nos treinos apostava e acertava o travessão por dez vezes seguidas, chutando da meia-lua. Foi o primeiro a jogar pelos times de Pedra Azul, Águas Vermelhas e Medina.

JUJU – Nos dias chuvosos que o time de Nova Conquista entrava em campo, se tivesse só um torcedor, podia se apostar que era Juju. Fanático, adorava ficar de lado do campo atazanando a vida dos adversários. Gritava o tempo inteiro tirando a concentração dos jogadores visitantes. – Se ganhar o jogo não sai vivo daqui. – Quando o time daqui marcava um gol era o primeiro a entrar em campo comemorando… Depois do jogo, abraçava os adversários e pedia desculpas. Passava o jogo inteiro fazendo pressão:

– Se bater nele de novo eu entro aí e lhe regaço, seu cavalo! Não sabe jogar bola não? – Gritava para o adversário quando um ou outro jogador do time de Nova Conquista sofria alguma falta mais forte. Quando os nossos jogadores se envolviam em brigas, lá ia Juju entrando no campo, dava logo um safanão no adversário e quando o cara queria partir pra briga ele puxava uma velha chave de fenda que nunca saia do bolso do seu macacão e só se via nego recuar. Quando insatisfeito com a arbitragem, entrava em campo xingando o juiz e os adversários.  O juiz geralmente o retirava à força, assim que o jogo recomeçava e o time daqui fazia uma tabela… Zequinha pra Alfredinho, que passava para Wilson que lançava para Zé Carlos cruzar na medida para Assis  meter um tijolaço de cabeça… Sim… era gol de Nova Conquista. Gol de centroavante, gol de nossa Seleção. Juju entrava em campo e se ajoelhava com as mãos para o céu enquanto a torcida aos berros carregava o autor do gol nas costas.

Em 1974 recebemos o time da Policia Militar de Vitória da Conquista. Adentraram nossa cidade naqueles caminhões verdes de guerra, cobertos com lonas da cor das fardas. Uma renca de soldados (armados de tudo quanto há) protegia a porta do hotel de seu Lindolfo e dona Lu ignorando solenemente a molecada que – se quis – teve que subir correndo atrás dos carrões conduzindo os jogadores uniformizados. Neste dia, Juju ao ver os homens de farda ficou meio receoso e apesar de torcer fervorosamente, evitou xingar o time da polícia. A partida começa duríssima e por mais que o nosso time tentasse, os PM’s jogavam muito. Abriram o placar com um tirambaço (sem trocadilho) de fora da área que Diogo nem viu onde passou. Segundo tempo, blitz da nossa Seleção e o goleirão, um negão desta grossura com cada lapa de braços, pegando tudo e mais alguma coisa, irritava os nossos atacantes. Assis cabeceava no ângulo ele voava e espalmava. Baião descia a ripa da meia lua, o cara rebatia por cima do gol, Wilson metia o pé de dentro da área e o cara voava no canto e jogava pra escanteio e a cada defesa ele ia até a nossa torcida e batia nos peitos arrotando valentia. Lá para as tantas Wilson acerta um chutão de fora da área, o goleirão solta (neste tempo se dizia “enjoar”) nos pés de Zequinha que bota nos fundos das redes.

Gol de Nova Conquista, a costumeira invasão da torcida e Juju que estava com o negão entalado na garganta, gritou para que ele ouvisse: – Pega essa frangueiro! – O negão se retou, tentou ir até a torcida os companheiros o seguraram! No finalzinho Zequinha cruza e Assis mete no ângulo de cabeça termina o jogo com dois a um para Nova Conquista. Repentinamente, o negão se levanta furioso e grita para a torcida:

– Tão rindo de que? Todo mundo sabe que aqui é terra de corno! – Não vamos mentir, esta famazinha acompanhou esta cidade por um tempão, mas, xingar assim na cara, revoltou a torcida (na época eram mais ou menos umas trezentas pessoas) que partiu para cima deste negão e imediatamente os colegas armados e fardados o cercou, protegendo. Berra aqui, xinga dali, nego joga casca de banana, bucha de laranja, um policial franzino entrou no meio, levou logo um sopapo caindo estatelado e o negão furioso berrando:

– Não vem não! Se vier eu arrebento (gritava com os punhos cerrados). – O que se via era Juju na frente, gritando: – Vamo dá uma surra neste safado pra ele respeitar terra dos outros! – Falava e a torcida gritava: – Vamos quebrar ele! Vamos pegar ele! Vamos lascar com este negão safado!

Foi um estrupício! O time todinho em volta do goleiro que veio andando de costas do campo até a porta do hotel de seu Lindolfo. Ninguém teve coragem de dar a primeira porrada, afinal de contas um negão daquela estirpe não era para qualquer um enfrentar não, mas que os policiais ficaram assombrados, ficaram. A multidão gritando enlouquecida e o negão com os olhos regalados temendo ser linchado. O delegado foi chamado e na base da força “convenceu” os torcedores a irem para as suas casas. Juju foi, porém, saiu esculachando o negão. O goleirão teve que pedir desculpas ao delegado e aos vereadores ali presentes. O time só conseguiu voltar para Conquista umas duas ou três horas depois do sucedido, mesmo assim, debaixo de uma chuva de pedras jogadas pela meninada!

FIM

Luiz Carlos Figueiredo

Escritor e Poeta

Cândido Sales, Bahia. Quadra de Novembro

Crescente de Primavera de 2023