Luiz Henrique Borges
No dia da Independência do Brasil, 7 de setembro, o nosso continente começará a disputar mais uma edição das Eliminatórias para a Copa do Mundo. Por sinal, o jogo de abertura da competição, entre Paraguai e Peru, em Ciudad del Este, marca o início das Eliminatórias em todo o mundo. Apesar do futebol ser um dos nossos principais elementos identitários e um ícone de brasilidade, dificilmente a disputa que agora se inicia gerará, entre nós, tanta mobilização como em edições anteriores e o motivo, é importante destacar, não são as campanhas ruins que o Brasil realizou desde a sua última conquista em 2002.
Eu posso afirmar isso porque vivenciei outro período de “seca” do nosso futebol entre 1970 e 1994 e as Eliminatórias, em outros formatos e com muito menos vagas para a Copa do Mundo, evocavam a presença e o apoio dos torcedores. Em 1993, por exemplo, o país parou para assistir o show de Romário, em um Maracanã lotado, que nos classificou para o Mundial que culminou com o tetracampeonato. Enfim, as partidas das Eliminatórias mobilizavam os torcedores. No meu trabalho, praticamente nenhum comentário foi feito sobre a disputa que agora se inicia, acho que a única fala e de apoio, foi em relação ao corte do atleta que é acusado de agredir uma ex-namorada.
O desinteresse pela competição tem relação direta com o aumento no número de participantes na Copa do Mundo que acarretou em mais vagas para a América do Sul. São seis seleções que se classificam diretamente entre dez participantes e, pasmem, o sétimo colocado ainda vai para a repescagem. Só três seleções ficarão de fora. Qual é a atratividade da disputa? Eu respondo: nenhuma! A quase despreocupação da CBF na escolha do treinador reverbera a pouca importância das Eliminatórias. Após a saída de Tite, os dirigentes voltaram os seus olhos para um técnico estrangeiro, mas como não conseguiram trazer de bate-pronto o italiano Ancelotti, tentaram remediar, primeiro com o inexperiente Ramon Menezes, mas os resultados nos amistosos foram tão ridículos, que eles resolveram recorrer a um treinador com mais estofo. O escolhido foi Fernando Diniz.
Não sei se o treinador do Fluminense já tem bagagem suficiente para treinar a Seleção Brasileira. Nesse sentido, as Eliminatórias serão um termômetro. Mas, ao contrário de alguns tricolores que me criticaram quando elogiei o técnico, afinal sempre tem gente do contra, entendo que Diniz é competente e os jogadores por ele dirigidos costumam atuar acima de suas capacidades técnicas. Não acredito que, se estivesse nas mãos de um outro profissional, o Fluminense teria alcançado resultados tão positivos nos últimos dois anos.
A CBF talvez esteja entrando em um caminho que será, no futuro, repleto de obstáculos e buracos. A escolha do Ramon era claramente a de um tampão. Pouco experiente, ele conduziria o Brasil na nada desafiadora e empolgante Eliminatórias e cederia o seu lugar, sem grandes percalços, para um treinador de mais peso para a disputa do que realmente importa, a Copa do Mundo. No entanto, no Brasil, o que realmente vale são os resultados, até de amistosos. Por mais inofensivos que pareçam, eles são capazes de mudar o rumo de tudo. Ramon conseguiu, em três jogos, contra equipes que não figuram entre as principais forças mundiais, perder duas (Marrocos e Senegal) e ganhar apenas uma (Guiné). Antes que alguém fique histérico e diga que Marrocos terminou entre as quatro principais seleções do Mundo, lembro que, dentre vários exemplos, a Turquia também fez o mesmo em 2002 e não era e continua sem ser uma das grandes forças do futebol mundial.
O leitor deve estar, nesse momento, se indagando: o cronista escreveu muito sobre o Ramon, mas qual é a possível enrascada em que a CBF se meteu ao escolher o Diniz? Vamos imaginar que o novo treinador consiga não apenas bons resultados, mas que as vitórias sejam acompanhadas de apresentações consistentes e também convincentes. Qual será o clima para a troca de Diniz por Ancelotti? Os torcedores aceitarão? O próprio treinador italiano vai querer encarar a bucha que é treinar a Seleção Brasileira sabendo que seus resultados serão, de imediato, comparados aos obtidos pelo seu antecessor? Vejam como é difícil a adaptação dos técnicos estrangeiros no Brasil. Mesmo liderando, com folga, o Brasileirão, o Bruno Lage, treinador do Botafogo, após a derrota contra o Flamengo, que prefiro não comentar porque terei que bater mais uma vez na tecla chatíssima que é a arbitragem no Brasil, deu um “piti” daqueles em virtude das pressões sofridas e até colocou o cargo à disposição. Em relação ao ataque do técnico botafoguense, só tenho uma fala: quem não gosta de pressão deveria ficar sentadinho no sofá da sala.
Parece que o Fernando Diniz conta com o apoio dos atletas, o que é muito importante para a execução de um bom trabalho. Ao contrário do que é repetido pelo “senso comum”, o estilo do novo treinador, no que se refere aos conceitos táticos, não é tão semelhante ao de Pep Guardiola, mas se remete à clássica escola brasileira. Eu digo isso porque os times de Diniz possuem a bola como referência, ao invés do espaço. Esse tipo de organização tática e técnica, muito menos posicional, é típica do futebol sul-americano.
As equipes dirigidas por ele prezam pela movimentação, pela aproximação constante dos jogadores e pela posse de bola. Mais próximo de Telê Santana do que de Guardiola, a ideia é que os jogares tenham liberdade para aproximar da bola e trocar passes curtos, se deslocando pelo campo em bloco. Ao agirem dessa forma, o propósito é deixar os defensores desconfortáveis e tirá-los de suas posições ao acompanhar as trocas de passes abrindo, dessa forma, espaços para os atacantes. Como tão bem definiu o jornalista André Kfouri, se fosse possível traduzir o jeito de jogar proposto por Diniz em uma única frase, seria algo como “não deixe seu companheiro sozinho no ataque, e, muito menos, na defesa”.
O grande desafio de Diniz, como seria o de qualquer outro treinador de seleção, principalmente para aqueles em que o modelo de jogo proposto, além da técnica individual, depende bastante do conjunto para funcionar bem, como é o caso de Pep Guardiola, é fazer com que atletas extremamente qualificados atuem de forma orgânica, ou seja, que eles saibam e consigam executar com muita qualidade os movimentos esperados. Há algum tempo eu li dois livros que abordam os métodos de Guardiola e ao finalizá-los tive a certeza que dificilmente o genial treinador conseguiria realizar um trabalho tão bom e vitorioso em qualquer seleção do mundo. A sua proposta de jogo exige aperfeiçoamentos rotineiros e seus métodos se baseiam em trabalhos diários, cotidianos e até exaustivos com os atletas. Nesse sentido, vejo uma aproximação entre Diniz e Guardiola. Para trocar passes com eficiência e eficácia criando jogadas de perigo, para atuar em bloco, tanto na fase ofensiva quanto na defensiva, é fundamental treinar, conhecer o posicionamento que o seu colega irá adotar em uma dada situação de jogo, enfim, os movimentos precisam estar mecanizados.
Eu acompanhei diversos comentários de que iniciar a competição, atuando em casa, em Belém do Pará, contra uma das seleções mais fracas do continente, a Bolívia, é muito bom, afinal estamos em uma fase em que o treinador e os jogadores estão se conhecendo e uma vitória dá tranquilidade para a continuidade do trabalho. Não nego que é mais cômodo, mas o que eu gosto mesmo é de vencer, jogando bem, os argentinos e os uruguaios. Boa sorte Diniz e que você reencontre os fundamentos do nosso futebol que tanto encanto já gerou no mundo.