O futebol é profissão: os treinadores
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O futebol é profissão: os treinadores

Autor:Luiz Henrique Borges

Nas duas semanas anteriores, ouvi diversos torcedores do Botafogo implorando pela permanência de Luís Castro no comando da equipe. No geral, o treinador português estava realizando um bom trabalho no alvinegro carioca. Ele chegou no início do Brasileirão de 2022 e, após passar por diversas dificuldades no primeiro turno e contando com os reforços da janela do meio do ano, conseguiu acertar a equipe que chegou na última rodada do campeonato com chances de obter uma vaga para a etapa inicial da Copa Libertadores da América, que é também apelidada, ao meu ver equivocada e depreciativamente, de Pré-Libertadores. Uma rápida pesquisa na Conmebol poderia acabar com tal vulgaridade, afinal a competição possui duas fases, chamadas de Primeira fase e Segunda fase, antes da etapa de grupos. Eu entendo que denominar de Pré-Libertadores é inclusive contraproducente em termos de marketing, uma vez que ela gera uma conotação que desvaloriza o produto/serviço que se pretende vender.

Após essa longa digressão, vamos retornar ao nosso treinador português. No início do ano, o Botafogo manteve o elenco que finalizou o Brasileirão e a expectativa dos torcedores e da imprensa era de que a equipe realizasse um bom Campeonato Carioca. Não foi o que ocorreu. O time terminou a Taça Guanabara na quinta posição e não se classificou para a fase semifinal do Campeonato Carioca. Restou aos comandados de Luís Castro jogar e vencer uma tal da Taça Rio, uma competição que define “o menos pior” dos times que disputaram o Cariocão.

O início na Copa do Brasil, contra o Sergipe, também não foi nada auspicioso. O Botafogo estava perdendo o jogo e a classificação para a segunda fase da milionária competição até o último escanteio do quase infindável tempo extra da partida. Enfim, as campanhas de 2023 não sinalizavam que o clube estaria tão redondinho para a disputa do Campeonato Brasileiro, tanto que a pressão para a demissão do treinador era imensa.

O Glorioso fez o primeiro terço do Brasileirão, sob o comando de Luís Castro, quase impecável, com 30 pontos conquistados em 36 disputados, apenas o Corinthians de 2017 e o Atlético Mineiro de 2012 alcançaram uma pontuação superior ao do Botafogo ao final da décima segunda rodada, ou seja, após o jogo contra o Palmeiras que foi o último do comandante português dirigindo o Botafogo na competição nacional. Já sob a “nova direção”, de Cláudio Caçapa, o Botafogo venceu, na décima terceira rodada, o Vasco da Gama e os 33 pontos conquistados significam a segunda melhor campanha na história do Brasileirão de pontos corridos após 13 rodadas.

Com a excelente e inusitada campanha no Brasileirão, a “fila de desculpas” dos torcedores para Luís Castro não parou de aumentar. Chegou ao ponto de um botafoguense manauara andar por quatro horas na avenida mais movimentada de Manaus carregando um cartaz de desculpas ao técnico português. Se as boas campanhas alentam os corações dos apaixonados torcedores, elas também chamam a atenção de outros clubes que, no universo globalizado, podem estar em qualquer lugar do nosso planeta, inclusive nas inóspitas, desérticas e ricas areias da Arábia Saudita.

Eu lembro que na minha juventude, mais precisamente em 1993, eu assisti um filme chamado “Proposta Indecente”. Nele, o ator Robert Redford representou um milionário que para ter uma noite de prazer com a personagem da linda Demi Moore ofereceu ao seu marido a quantia de um milhão de dólares. Se fosse um filme, que nome eu deveria dar para a proposta que chegou ao Luís Castro? Além de ter a oportunidade de treinar o seu compatriota, Cristiano Ronaldo, o Al-Nassr, clube saudita, ofereceu um salário de aproximadamente 6 milhões de euros anuais, livres de impostos, o que equivale ao triplo do que ele recebe no Botafogo, além de uma mansão de 2,5 milhões de euros para o treinador morar no país e que ficará para ele caso cumpra o vínculo até o final. Não há, definitivamente, qualquer possibilidade de competir com os fundos de investimento do futebol árabe e, por isso, o melhor nome a ser dado para esse tipo de proposta seja, por mais redundante que a frase possa parecer, “Sacanagem Indecente”.

Obviamente, os arrependidos torcedores botafoguenses não gostaram da notícia e clamaram pela permanência de Luís Castro. Depois de quase duas semanas de incertezas, o cobiçado treinador aceitou a proposta para lá de indecente do Al-Nassr que, de quebra, pagará a multa rescisória de 10 milhões de reais, aproximadamente 2 milhões de dólares. Além da tentação do dinheiro, a vontade da família também pesou na decisão do treinador.

Com os caminhos definidos, a torcida, que não é movida pela racionalidade, mas pela paixão, se sentiu traída e, como é muito comum nesses casos, transformou o então impoluto herói em um perigoso e proditório mercenário. No entanto, caro leitor, sejamos sinceros, se você recebesse, no seu trabalho, uma proposta salarial um pouco melhor, certamente mudaria de posto e até de empresa, não é mesmo? Então, por que um profissional que atua no futebol não poderia agir da mesma forma, ainda mais quando o convite envolve valores que beiram a impudicícia? A realização profissional e a independência financeira são aspectos puramente individuais e o único que pode realizar a avaliação é o próprio envolvido.

Castro, que não é tolo, sabe que os clamores por sua permanência eram tão sólidos quanto os gases atmosféricos, em outras palavras e deixando a ironia de lado, bastavam duas ou três derrotas em sequência que os xingamentos e os pedidos de demissão, como ocorreram durante o Campeonato Carioca, se repetiriam e, talvez, com maior intensidade. Eu chego a arriscar que o português sofreria no alvinegro o mesmo processo que Fernando Diniz passou no São Paulo em 2020. Superando as expectativas, o tricolor paulista liderou o campeonato e abriu uma boa vantagem de pontos, como hoje ocorre com o Botafogo, no entanto, o time, que não era extremamente qualificado, caiu de produção e o técnico acabou demitido na 33ª rodada.

Por falar em Diniz, chegamos à Seleção Brasileira. Já abordei em crônica passada a inexistência, no futebol brasileiro, de um técnico que seja maior que os jogadores e por isso eu defendo a ideia da contratação de um treinador estrangeiro. O técnico do Fluminense é competente e estudioso, mas ainda falta muita milhagem para comandar em definitivo a Amarelinha. Certamente, a decisão da CBF de contratar Fernando Diniz por um ano e aguardar por Ancelotti, eu espero que os nossos dirigentes tenham tido o bom senso de deixar tudo acordado com o treinador italiano, levou em conta que a América do Sul possui seis vagas diretas para a Copa do Mundo e ainda uma na repescagem. Até os papagaios e os periquitos irão para o Mundial de 2026.