ROGIM DE TEREZA DE ELIZIÁRIO
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ROGIM DE TEREZA DE ELIZIÁRIO

Quem aí não conhece Roger Ferraz? Roger Ferraz é neto de Seu Nena (José Graça Ferraz, um dos fundadores de Nova Conquista ao lado de seu João Francisco, conhecido como João Dengoso – pai do contador Wilson Ferraz) e construtor de uma das duas primeiras casas residenciais deste pequeno torrão! É o irmão de Beto e filho de Tereza de Eliziário. Pois, é. Roger, entre outras coisas é um dos grandes músicos da nossa cidade. Eu, ele e o poeta Jaivan Acioly temos uma parceria tripla (como diria Zé Ramalho). São quase uma centena de músicas, algumas feitas para as várias paixões que passaram de forma meteórica pela vida do poeta, tais como MARIA JOSÉ, OLHAR DE FACHO DE FOGO E MAETHÊ – esta última feita para a sua mãe Tereza -, e, quase todas nasceram debaixo da árvore chorona que a saudosa mãe de Roger (falecida há alguns anos), tem ainda hoje no seu quintal. Muitas já foram gravadas.

Billy Roger (apelido adquirido na infância por ser fã do Western protagonizado pelo pistoleiro Billy The Kid) sofreu um acidente quando foi induzido a vir da cidade de Medina (MG) altas horas da noite – logo após a apresentação da sua banda – em um veículo conduzido por um motorista alcoolizado, que por irresponsabilidade. participava de um pega, dirigindo em alta velocidade e com os faróis apagados. Ao fazer uma curva de forma desembestada, chocou-se violentamente contra uma rocha, matando um dos passageiros e deixando o nosso poeta, cantador e violeiro, paraplégico. Na época, Rogim era um dos maiores jogadores de futebol de Cândido Sales, um daqueles craques fora de série. Na quadra o cara destruía! Jogava com nojo, humilhava os adversários com uma técnica impressionante. Botava a bola onde queria sem fazer o mínimo esforço! Taí Oriston que não me deixa mentir. No campo era um pouco mais comedido, porém, jogava muito acima da média.

Ali pelos meados de dos anos 1980 os dois melhores times de Futsal da cidade era a equipe do Banco Real que tinha Roger como um craque excepcional (com apenas uns 14 anos de idade) e a Cocebe, que tinha um timaço com Elias (o finado irmão de Elizeu) no gol, o locutor que vos fala, Waltenor, Oriston e o negão Celson (também falecido), que desequilibrava as partidas de forma arrasadora e que não carece de apresentação. Quando acontecia este “clássico”, Billy Roger faltava matar Oriston – que não via a cor da bola. Rogim passeava com Oriston de marcador.

Um pouco antes, Rogim era apenas um menino malino que morava na Rua José Porto – a rua mais descolada da cidade. Berão, Bozo, Dumbão, Tinho, Kinho Soares e, Roger Ferraz, comiam nas mãos de “Zé Pinicata” que era intitulado o rei da rua. Era quem dava as ordens a torto e direito e todos tinham que cumprir. Tanto, que extraoficialmente era o “banco” da rua, ou seja, o encarregado de guardar a grana da molecada. Quem entregasse a grana pra ele guardar tinha que pagar a porcentagem de dez por cento e quando perdia o recibo manuscrito entregue por Pinicata, ficava impossibilitado de reaver a quantia. Nesta época os pais de Roger eram donos do Restaurante AZ DE OURO e tinha atrelado ao comércio, a primeira Banca de Revistas da cidade, funcionando exatamente na primeira casa construída por aqui, na Avenida Getúlio Vargas. Ali, no auge da sua meninice, Billy, danado como era, do alto dos seus nove anos de idade, tinha como diversão sair malinando pelas ruas.

Um belo dia Rogim estava na casa do seu tio Dodô, vadiando com os primos, quando estes em uma brincadeira do “tonga” correram e passaram por entre as paredes entre uma casa e outra. Ao ver os primos passarem em um espaço diminuto, o menino Billy tentou ir no embalo e ficou preso, enganchou a cabeça em plena Avenida Rio Branco. Apesar de pequeno, Rogim era extremamente cabeçudo, ficou preso entre as paredes e abriu o berreiro: – Me acode, Gente! Pelo amor de Deus me acode! – Ficou preso por mais de uma hora. Uma multidão se juntou, curiosos olhando, gente rezando, um desespero danando, chamaram Tereza que chegou desesperada gritando:

– Pelo amor de Deus, gente, salva o meu filho! Ele vai morrer! – Aquela renca de gente, a rua completamente lotada e Rogim ali enganchado pela cabeça. Depois de labutarem por mais de uma hora, apareceu Geraldo do Cinema resgatando o garoto e o entregando nos braços de Tereza.

– Muito obrigada, seu Geraldo! Muito obrigada! O senhor salvou a vida do meu filho! Que Deus lhe favoreça e lhe dê tudo o que o senhor precisa! Salvou o meu filhinho! – Gritava pelas ruas enchendo Roger de beijos. Antes do acidente, Billy Roger da Viola (o seu atual nome artístico) era um guitarrista das várias bandas de bailes existentes por aqui, em especial a Columbia que foi um dos embriões da Banda Brilho Solar (a mesma que tocava na cidade de Medina quando do acidente). Após o sucedido, cresceu muito como poeta, cantador e violeiro, inclusive, influenciando violonistas por este imenso Brasil.

Durante a pandemia, Roger foi uma graça. Se antes ele saía pela noite com a sua cadeira motorizada, olhando o céu, vendo uma ou outra estrela cadente cruzando o infinito, desejando de qualquer maneira voar nas suas asas, ficando atônito quando testemunhava o astro desaparecer rapidamente, caindo no horizonte, na pandemia, ficou literalmente em pânico. Hoje Roger Ferraz é parte integrante da igreja Católica de Cândido Sales – levado pelo seu amigo e irmão Zé Pereira – e é muito respeitado pela comunidade. Compõe, toca, canta e interagem com outros músicos católicos.

E olha que Roger foi criado pelo pai Eliziário que é um integrante da seita UNIVERSO EM DESENCANTO, cresceu esperando diariamente a chegada de um disco-voador que os levaria para a Planície Racional, talvez seja por isto que o menino nunca gostou de frequentar igrejas… Graças a uma Ansiedade Depressiva Aguda, que durante as crises fazia que o poeta achasse que morreria a qualquer momento, chegando, inclusive, a se despedir dos amigos, Billy aceitou o convite do amigo Zé Pereira (o ex-jogador Zé Preto) para participar do “Terço dos Homens”. No primeiro momento não ficou muito a vontade, afinal de contas nunca tinha rezado na vida. Após algum tempo, se sentiu muito à vontade e hoje detém o respeito de todos os irmãos católicos, se batizou na igreja e a maioria, inclusive, o chama de Mestre (o deixando desconcertado). Durante a pandemia, Rogim entrou em parafuso e ficou mais paramentado que astronauta americano. Roupa impermeável, máscara, óculos, capacete e dois tubos de “detefon” borrifando para tudo que era lado. Me ligava de vez em quando: – Carlim, cê tá vendo aí? O vírus está crescendo em Nova Conquista, meu irmão. Precisamos tomar cuidado. A coisa está preta!

– Eu sei Rogim. É só manter os cuidados. Ficar em casa, lavar constantemente as mãos, usar máscara e usar álcool em gel! Tudo vai ficar bem!

– Você viu a nota da prefeitura distribuindo a contagem pelos bairros?

– Vi. – Respondi indiferente. – Os bairros estão pesteados e a Lagoinha não tem nem um contaminado? Tá tudo errado! – Para quem não sabe, a Lagoinha é o Bairro que eu moro… E Rogim, indignado porque o vírus não havia ainda dado as caras por aqui. – Que diabo tem aí pra conter este vírus? – Vai ver que somos um pouco mais abençoados! – Que nada! É porque o terreiro de Mãe da Ilha era aí. Jorge Tranca-Rua está vivo até hoje, deve ter feito alguma mandinga para conter a pandemia! – Para quem não sabe, Mãe da Ilha era uma curandeira conhecidíssima na cidade e tinha um terreiro na década de 1970 aqui na Lagoinha. Jorge Tranca-Rua além de ser o seu filho adotivo, também era Ogã, tocava um tambor lascado e quando chegava “medicado”, tirava onda, mastigando e engolindo lentamente um copo de vidro à vista de todo mundo. Engolia, mostrava a língua e arrotava, está vivo até hoje!

– Calma, Rogim! Calma! Se Deus quiser isto vai passar logo, você vai ver! – Mas enquanto não passar eu não vou dar mole pra ele não. Estou aqui mais protegido que Iuri Gagarin. – Se referindo ao cosmonauta russo, o primeiro homem a viajar pelo espaço em 1961. Não aguentei e dei uma risada, afinal de contas o tempo passou e Roger continua do mesmo “jeitim” de quando eu o conheci.

Isto me fez lembrar de quando ele tinha uns dez anos de idade e Geraldo resolveu exibir no Cine Metrópole o Filme “CORAÇÃO DE LUTO” contando a história do cantor gaúcho Teixeirinha. Este filme falava da mãe do cantor, que acometida por um mal súbito, caiu sobre uma fogueira e morreu queimada. Esta música fez muito sucesso no Brasil inteiro. Como Teixeirinha era o único cantor gaúcho na época a fazer sucesso em todo o Brasil, Geraldo que não era menino, resolveu exibir a película em três seções. Uma começando às 7 da noite, outra às 8 e meia e a última às 10 da noite. Este tipo de filme quando exibido por aqui só perdia em público para a paixão de Cristo, exibido na Sexta-Feira da Paixão! Neste dia, resolvi ir à seção das oito. Nunca vi tanta gente na vida. O cinema lotado de um jeito que mal se podia entrar. Cheguei um pouco antes de terminar a seção das sete e quem eu vejo chorando na porta do cinema? Ele mesmo, Rogim. Pequenininho, deste tamanhinho, chorando em um desespero que metia até medo. Me aproximei para ver o que tinha acontecido.

– Ahhhh, Ahhhhh, Ahhhhh! – Chorava e esperneava, limpava as lágrimas e voltava a chorar em uma altura esquisita, parecia até que o mundo estava acabando. Nesta altura comecei a me preocupar! Quem tinha batido em Billy? Olhei para um lado, olhei para o outro e me aproximei.  – E aí, Billy. O que houve? Quem lhe bateu?

– Ahhh, ahhhh, ninguém… Ahhhh! – Então porque este choro todo? O que aconteceu? – A mãe… A mãe… – Ahhhh, ahhhh, ahhh!!! – O que aconteceu com a sua mãe, rapaz, fala aí! – Ele olhou pra mim, enxugou as lágrimas e voltou a gritar:

– Ahhhhh! A Mãe… moço… Ahhhhh!  – Fala Rogim! O que aconteceu? A mãe de quem? – De Teixeirinha! Ahhhh, ahhhh, ahhh!!! – O que houve com ela? Fala aí! – Depois de uns cinco minutos soluçando, ele olhou pra mim e gritou:

– Morreu!  Ela morreu! A mãe de Teixeirinha morreu! Ahhhh!!!! – Falar o que?!!!

FIM

Luiz Carlos Figueiredo

Escritor e Poeta

Cândido Sales – Bahia. Quadras de Abril de 2023. Nova de Outono