POLÍTICOS E CONCURSADOS
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POLÍTICOS E CONCURSADOS

Crônicas da Madrugada

Autor: Danilo Sili Borges

Há seguramente umas três décadas, a Semana Oficial da Engenharia e Agronomia, evento anual promovido pelo Conselho Federal de Engenharia e Agronomia, realizou-se no Ceará. O evento anual que conta com a participação de expressivo número de profissionais, teve ainda maior apelo quando soubemos que seríamos acolhidos em Fortaleza.
A cerimônia de abertura foi prestigiada pelo governador do estado, político, na época, bem-conceituado pela administração que desenvolvia no estado, o que o credenciava a disputar a presidência da República.
Político é sempre político, e o bem-falante líder cearense quis agradar o que lhe parecia ser um auditório uniforme de engenheiros, com a fama que trazem de homens do fazer, “botas sujas de barro”, pouco dados às sutilezas do espírito e das artes e começou dizendo da sua satisfação de estar ali, naquele ambiente de profissionais do desenvolvimento e aos quais o seu estado e a sua administração deviam tanto às suas competências e dedicação… e foi por ai, tecendo loas aos visitantes.
Próximo a encerrar sua peroração, o bem articulado político falou como era produtivo poder administrar, lidando com pessoas “objetivas, como são os engenheiros, diretos ao ponto, sem coisinhas de poesias e filosofias vãs…”. Foi o que bastou para que fosse intempestivamente interrompido por um dos assistentes, que lhe disse: ”Perdoe-me importuná-lo, Sr. Governador, mas V.Exa. tem dos engenheiros visão estereotipada e distorcida. O fato de sermos homens do projeto, dos canteiros de obras, dos chãos de fábricas, da execução das estradas, dos açudes e das barragens que garantem a água e a energia, não nos torna insensíveis aos sentimentos e ao belo…..”, e continuou sua dissertação um tanto exaltada.
Lembrou nomes de engenheiros vivos e mortos que deram contribuições fundamentais às artes e à cultura nacional. Logo que pode, o governador retomou a palavra, contornou o constrangimento e se foi.
O protagonista do episódio foi o saudoso Engenheiro Eletricista Argemiro José Cardoso, professor, poeta, filósofo e amante de artes plásticas.
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Lembrei-me desse episódio a propósito da reunião ocorrida, terça feira, 14 de março, entre o Presidente da República e um número expressivo de prefeitos de diversas cidades do país. A grande maioria dos presentes era de chefes dos executivos municipais e, portanto, políticos. Certamente, sendo sincero, mas tendo por objetivo estabelecer com o auditório empatia, o habilidoso Lula da Silva, usou expressões que transcrevo:
“Aprendi a ser político, aprendi a gostar de política, aprendi a respeitar os políticos”. E mais adiante, “Prefiro um político competente do que um técnico, porque o político entende um pouco de tudo e o técnico não entende nada de nada. O técnico tem de ter um chefe e esse chefe chama-se político, que tem competência para saber orientar”.
“Tem gente que diz que não gosta de político porque ele não presta, que diz que político é tudo ladrão. Mas o político a cada quatro anos vai para a rua colocar o nome dele em julgamento para ser xingado, para ser avacalhado. A pessoa quando faz um concurso com 18 anos se aposenta com 80 sem fazer nenhum concurso mais”. Em suas palavras, o presidente induziu a ideia de que técnicos não são tão competentes devido à estabilidade que existe no funcionalismo público.
Não me posso furtar a fazer algumas considerações a respeito do que disse o presidente. Nota-se a matriz do pensamento dicotômico: O raciocínio, nós e eles; nós aqui, eles lá; nós contra eles; políticos contra técnicos, não conduz a bons resultados. É a colaboração, o trabalho de equipe que reúne saberes e habilidades que a experiência indica que dá bons frutos. Erra a máxima autoridade do país, digo com o devido respeito, ao criar na imaginação dos prefeitos que os técnicos de suas prefeituras são incapazes, confundindo saberes e hierarquias. As coisas não funcionam assim! Os técnicos adquiriram nas escolas conhecimentos especializados para auxiliar o administrador público a tomar as melhores decisões, dentro das opções que faz e até de alertá-lo para riscos a que possam estar submetendo a população.
Ao desvalorizar os concursos públicos e a estabilidade funcional, o presidente deixa claro sua inconformidade (que é comum em todos os que assumem a presidência) de não poderem, ao assumir o mandato, trocarem totalmente os ocupantes da máquina pública. Felizmente, os servidores concursados são funcionários do Estado Nacional e tem sua estabilidade garantida e evitam que muitas bobagens sejam perpetradas pelas administrações eventuais.
Os concursos públicos foram uma conquista democrática, talvez a maior no mundo do trabalho, pois permite o acesso a carreiras públicas de jovens sem o “pedigree” familiar, sem o apadrinhamento político, sem os trens-da-alegria, tão nossos conhecidos. Sobram para essas liberalidades cargos e funções de confiança, que no meu fraco entender, deveriam ser preenchidos, na sua maioria significativa, por funcionários concursados, para atender e orientar os administradores políticos e naturalmente ocasionais.
Juízes, diplomatas, militares, professores, pesquisadores, procuradores chegam a seus postos através de duríssimos concursos, com dezenas ou centenas de milhares de postulantes, o que garante para o serviço público o melhor da competência e da inteligência de cada geração.
Nada contra os políticos, mas, vai aqui uma opinião pessoal: Eu, particularmente, preferiria que Política não fosse entendida como uma profissão, mas, sim, como uma representação de mandato popular, com restrições ao número de reeleições.
Crônicas da Madrugada
Brasília, março de 2023
Danilo Sili Borges
Membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA
Diretor de Ciências do Clube de Engenharia de Brasília