Autor:Luiz Henrique Borges
Não tenho a menor dúvida de que o Flamengo é um dos melhores times do Brasil e da América do Sul e que os campeonatos disputados por aqui, como o Brasileirão e a Libertadores, são extremamente disputados e equilibrados. No entanto, ainda não nos conscientizamos que o equilíbrio é marcado por baixo e não pelo alto, como ocorre no futebol europeu.
Nossos clubes, mesmo os de 1 bilhão de reais, como o rubro-negro carioca, não são necessariamente dominantes quando enfrentamos os clubes asiáticos, mexicanos e árabes. As disputas no Mundial de Clubes, desde 2010, demonstram a veracidade da afirmação acima, uma vez que as equipes do nosso continente perderam as semifinais em seis oportunidades, ou seja, em quase metade das vezes. Em relação aos europeus, sinceramente, não há como comparar uma vez que eles são verdadeiras seleções mundiais e, mesmo jogando com o “freio de mão puxado”, eles sempre conquistaram o título no período, exceto em 2012 quando o Corinthians venceu o Chelsea.
Eu entendo os torcedores sul-americanos ficarem eufóricos e muito esperançosos quando suas equipes ganham a Copa Libertadores da América e embarcam para disputar o Mundial de Clubes. Não se espera deles racionalidade, mas sim muita paixão, a mesma que me faz acreditar que o Botafogo alcançará os píncaros do universo futebolístico. O que eu não entendo é a adoção de discurso semelhante ao dos torcedores por parte dos jornalistas e da mídia especializada. Invariavelmente, a nossa imprensa deduz, apesar dos diversos fracassos, que os clubes brasileiros jogarão a final contra os europeus. Tá na hora da nossa mídia suspender o ufanismo e adotar um discurso mais próximo da realidade. Na atual competição, a imprensa já dava quase como certa a decisão do Flamengo contra o Real Madrid, normalmente pontuada por uma ressalva, bastante tímida, no final da frase, que era preciso passar pela semifinal. A equipe espanhola confirmou, sem grande esforço, como invariavelmente acontece, sua vaga na decisão, já o Flamengo…
Mesmo após o novo “desastre”, vejamos o que um jornalista escreveu em um conhecido site no dia 09/02: “Nesta edição do Mundial de Clubes 2022, que está sendo disputada no Marrocos, os times favoritos para vencer as semifinais não mostraram alto nível de rendimento, como era esperado. O Flamengo não conseguiu concretizar o sonho de ser bicampeão Mundial e foi derrotado pelo time saudita Al-Hilal, por 3 a 2. O poderoso Real Madrid venceu o Al Ahly, do Egito com o placar de 4 a 1, mas com desempenho irregular, que não justificou esse resultado”. A afirmação mantém o descolamento do real e a incapacidade de aprendermos com os recorrentes fracassos sul-americanos uma vez que Internacional (2010), Atlético Mineiro (2013), Atlético Nacional (2016), River Plate (2018), Palmeiras (2020) e Flamengo (2022) eram considerados favoritos e perderam os seus jogos. A recorrência é tão elevada que a ideia de favoritismo deveria ser repensada.
Apesar de terem recursos, o nível de exigência e, consequentemente, de treinamento do futebol árabe é bem mais baixo do que o nosso. Em outras palavras, apesar das contratações, se o Al Hilal fosse convidado agora para jogar o Brasileirão, ele ficaria na segunda página da tabela. Acredito, sinceramente, que se o Flamengo enfrentasse o seu atual algoz em dez oportunidades, ele venceria pelo menos 6 partidas. Nas quatro demais, apostaria em 2 empates e, no máximo, 2 derrotas.
Apesar disso, alguns aspectos nivelaram o Flamengo e o Al Hilal. O primeiro ponto é que todos os clubes brasileiros começaram suas temporadas no início de janeiro e o clube carioca, em particular, ainda trocou de treinador, o que significa o começo de uma nova filosofia de trabalho e de conhecimento entre jogadores e comissão técnica. Talvez, em virtude dos aspectos acima mencionados, alguns atletas do rubro negro carioca estão jogando “pedrinhas”. Há também aqueles que estão passando por uma má fase técnica e, em pelo menos um caso, o atleta, que atua no setor defensivo, já deveria estar aposentado. Além das dificuldades acima destacadas, os cariocas também começaram o confronto muito nervosos, o que acarretou, logo nos minutos iniciais da partida, no pênalti de Matheuzinho sobre Vietto e convertido por Salew al-Dawsari. O Flamengo conseguiu superar o momento desfavorável e ainda aos 20 minutos empatou o confronto com Pedro. Era de se esperar que, alcançado o empate, o clube brasileiro se soltasse e conseguisse se impor e construir a vitória. No entanto, mesmo tendo o domínio territorial e mantendo a bola em seus pés, o goleiro do Al Hilal não era exigido. O ataque flamenguista foi bastante inoperante em todo o jogo.
A situação se agravou nos minutos finais do primeiro tempo quando o árbitro foi ao VAR e, acertadamente, marcou a penalidade máxima cometida por Gerson sobre Vietto. O gol deu a vantagem para o clube árabe que foi para o intervalo com o placar favorável. Entendo que a expulsão do atleta brasileiro, que ainda não se encontrou após seu retorno ao nosso futebol, foi excessiva, prejudicou a equipe no restante do jogo e apressou as substituições equivocadas de Vítor Pereira, treinador do rubro negro.
Apesar de não estar bem fisicamente, Arrascaeta jamais poderia ter sido substituído por Erick Pulgar. O jogador uruguaio é um daqueles atletas que, mesmo atuando abaixo do seu potencial, é capaz de decidir um jogo a qualquer momento. Vítor Pereira, em mais uma bobagem, tirou Everton Ribeiro, outro jogador capaz de alterar os rumos dos jogos. Não tenho a menor dúvida de que Dorival Júnior, que deveria ter sido mantido na equipe apesar das justificativas vazias e sem argumentos pronunciadas por Marcos Braz, não faria as substituições realizadas.
Entramos aí em outro aspecto, a diretoria flamenguista jamais deveria ter mexido na comissão técnica sabendo que disputaria o mundial no início da nova temporada. O novo treinador, que já caiu em desgraça entre os torcedores, não teve tempo para, junto com a sua comissão, dar uma cara para o time. O reflexo do trabalho recente do treinador, ou melhor, da falta dele, ficou visível no jogo contra o Al Hilal na ausência de um esquema tático e de movimentações capazes de surpreender o adversário, além da inexistência de jogadas ensaiadas. O Flamengo parecia muito mais um bando de jogadores do que uma equipe organizada.
Finalmente, mas não menos importante, houve arrogância por parte da diretoria, comissão técnica e jogadores diante de um rival bem menos badalado que o Real Madrid e que foi, equivocadamente, percebido como um adversário apenas pró-forma. Ninguém, inclusive a imprensa brasileira, respeitou a semifinal. Faltou apetite, faltou empenho, faltou categoria, faltou treinamento, faltou entrosamento e sobrou soberba.