Crônicas da Madrugada
Autor: Danilo Sili Borges
Colocar um verbete numa enciclopédia, ou uma palavra nova nos dicionários, não é tarefa para qualquer um, principalmente se for da língua portuguesa que tem catalogados mais de 600 mil termos.
Luís Felipe de Albuquerque conseguiu. É verdade que não intencionalmente, no início dos anos 1950, no Rio de Janeiro. A nova palavra faz menção ao seu prenome, Felipe, para marcar para sempre, por registro em publicações de referência, como alguém sabendo manipular os conceitos de SUSTENTABILIDADE E CREDIBILIDADE é capaz de fazer com que muitos desempenhem o papel de otário, isto mesmo, aquele a quem o estelionatário deixa com o “mico” na mão.
Entre, o leitor, em qualquer dicionário de português, pode ser o excelente Infopédia, publicado em Portugal, e procure por “FILIPETA”. Vou adiantar para poupar o trabalho: “Folheto promocional ou publicitário”. Nome que originalmente foi atribuído a um título de crédito sem valor e que com o tempo passou aos impressos descartáveis distribuídos nas ruas. Análise ligeira, mostra-nos que ela é composta por FILI de Felipe e PETA, que significa mentira, engano. O termo foi cunhado pelos cariocas ao perceberem que as promissórias assinadas por Luís Felipe já não eram honradas pelo emitente. Eram tantas, e tantos os otários, que aquele papel foi batizado como filipeta e daí chegou aos dicionários.
Apenas um caso de pirâmide financeira. Felipe pousava de rico e fazia circular, de boca em boca, que tinha um sócio oculto, diretor de importante banco. O esquema era simples, Felipe comprava automóveis e imóveis, pagava a prazo, mediante entrada e o restante em promissórias. Era fácil negociar com ele, que não regateava preços. Os documentos de crédito que emitia eram pagos religiosamente no vencimento, credibilidade era a base do seu negócio. Os recursos, notem bem, para seus pagamentos, ele conseguia vendendo à vista os bens que havia adquirido a prazo, por valor menor do que se comprometera a pagar. Operando sobre grande número de transações, ele garantia a liquidez do seu crescente esquema… e aumentava, é claro, seus compromissos, seu passivo a descoberto.
O sistema comercial era instável e chegaria o dia em que ruiria, quando parassem as operações de compra e venda. Então, os recursos em suas mãos seriam insuficientes para quitar os títulos emitidos e nem ele tinha intenção de fazê-lo. Era a hora do “pinote”, na qual o nosso herói desapareceria com a grana correspondente a um bom percentual do valor global dos títulos que circulavam na praça fluminense e que a partir daquele momento nada mais valeriam.
Antes do Dia D, houve a denúncia. Felipe foi preso e condenado (por pouco tempo). Não sei se conseguiu manter parte do resultado do trambique, ou se gastou tudo na própria defesa, mas isso não importa para a continuidade desta crônica.
Sustentabilidade é palavra constante na mídia, referindo-se ao meio ambiente, ou a outros sistemas, como por exemplo o econômico e o político. Sustentabilidade é o fator chave da credibilidade de qualquer sistema. Nós, ao fazermos avaliações nos negócios, na escolha dos nossos mandatários, para trocarmos do emprego por outro, com melhor remuneração, em qualquer decisão, sempre investigamos se o nosso parceiro ou contraparte tem credibilidade.
Felipe montou, como todos os que lançam pirâmides financeiras, um sistema que tinha credibilidade… – ele honrou rigorosamente seus compromissos, até a hora do pinote. Ele soube manter a sustentabilidade do seu negócio, garantindo meios para pagar em dia, seus compromissos.
Qualquer sistema só merece credibilidade, enquanto for previsivelmente sustentável. Entra aí o fator tempo, expresso pela palavra enquanto. Nas análises de oportunidade, três parâmetros devem ser aferidos: credibilidade, sustentabilidade e tempo, sendo o primeiro dependente dos outros.
Felipe, um estelionatário, manteve a credibilidade do negócio, garantindo-o sustentável por um tempo pré-determinado, depois outros ficaram com o “mico”.
São muitas as possibilidades de manipulação desses fatores em outros sistemas, além do financeiro. O político-administrativo, por exemplo.
Imaginemos, só para raciocinar, que o presidente de um país consiga gastar, em atendimento social à população, ilimitadamente, sem respeitar o orçamento elaborado para manter sob controle o equilíbrio das contas públicas. Com recursos ilimitados, ele mete “o pé na jaca” e assume posições simpáticas frente à população e terá altos índices de popularidade, que é a credibilidade na política, enquanto o temerário sistema for sustentável.
Você, meu amigo, com despesas além do que ganha, terá que recorrer a empréstimos. O governo também! Gastando mais do que arrecada com os tributos, terá que emitir títulos de crédito (como fez o Felipe), ou emitir moeda, o que gera inflação – outra forma de nos fazer pagar por despesas comprometendo o equilíbrio fiscal, ou ainda aumentando impostos.
Consequências: juros altos, problemas cambiais, desemprego. Mas nem tudo está perdido para esse gestor, se ele souber manipular bem o fator credibilidade, via artifícios de sustentabilidade de curto prazo, como controlar preços artificialmente, então o sistema será levado a ruir na mão do seu sucessor.
Nessa história, o “mico”, as filipetas de emissão governamental ficarão nas mãos do povo que levará, talvez, décadas para as quitar.
Você já viu esse filme? Mensalmente há um lembrete dele na sua conta de energia!
Crônicas da Madrugada. Brasília – Jan. 2023
Danilo Sili Borges
Membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA
Diretor de Ciências do Clube de Engenharia de Brasília
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