Abóbora ou carruagem: as análises bipolares da imprensa brasileira
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Abóbora ou carruagem: as análises bipolares da imprensa brasileira

Autor: Luiz Henrique Borges

Talvez a atual crônica tenha sido a mais difícil e desafiadora desde que comecei a escrever nos primeiros meses de 2020. Antes que alguém, açodadamente, pense que o motivo é a desilusão com o Brasil na Copa do Mundo, alerto que o motivo é outro. A Covid, enfim, me “convocou” para fazer parte de seu esquadrão. Após uma ponta de febre e a ardência na garganta, testei positivo. Apesar de vacinado, tomei as 4 doses, senti algumas consequências da doença, o principal deles, o que mais me afetou ao longo da semana, foi o incomensurável cansaço. Agradeço pelas vacinas que tomei, elas não evitaram a contaminação, por sinal isto nunca foi prometido, mas certamente os efeitos da enfermidade foram mais leves e suportáveis.

Mesmo cansado, tentei assistir e ler, quando consegui me manter acordado, algumas opiniões da imprensa sobre a desclassificação do Brasil. Como era de se esperar, o comentarismo de resultados é a tônica de boa parte dos nossos jornalistas. Diversas análises carecem de fundamento e de coerência. Tudo isso me leva a crer que ou o comentarista usa o espaço para desabafar ou a empresa de comunicação pauta uma discussão para atrair o torcedor com discursos de teor emocional e distantes de uma apreciação mais acurada. Talvez seja a junção dos dois.

Jornalistas que até então elogiavam o trabalho realizado pela Seleção Brasileira para o ciclo da Copa do Mundo, que afirmavam que o Brasil tinha uma esquema de jogo coerente e forte, que o Tite havia convocado os nomes certos, exceto por algumas discussões que abarcavam o nome de Daniel Alves, após a derrota nos pênaltis para a Croácia adotaram a política da terra arrasada. Exemplificando, em um dos canais de esporte, um determinado profissional teceu diversos elogios ao Brasil após a vitória contra a Coreia e, na quarta-feira, dia 14 de dezembro, ele desancava a participação brasileira na Copa do Mundo. Coerência zero quando se abre a temporada de caça às bruxas.

Apesar da derrota, dolorida, é verdade, continuo afirmando que a Seleção Brasileira era uma das favoritas para conquistar o Mundial. No entanto, favoritismo não é garantia de conquista e, além disso, ela dividia com diversas outras equipes tal posição. A Copa do Mundo é assim: podemos ser a sensação na segunda-feira e sermos eliminados no jogo seguinte, na mesma semana, não foi exatamente o que aconteceu? Em outras crônicas afirmei que para ser campeão do mundo é preciso, preferencialmente, atuar bem em todos os jogos, mas também contar com uma boa dose de sorte. No jogo contra a Croácia não jogamos bem e também não contamos com a sorte.

A Seleção Brasileira foi incapaz de pressionar os croatas que buscaram, ao longo de todo o jogo, sabedores da sua ineficiência ofensiva, cozinhar o galo em banho-maria. Eles procuraram manter a bola sob controle e para isso povoaram o meio campo para, se possível, encontrar uma bola salvadora.

Fiquei com a impressão, sobretudo no primeiro tempo e em parte da etapa final, que a Seleção Brasileira entrou em campo com a cabeça nas semifinais e se esqueceu que para chegar lá havia uma pedra no caminho que se chamava Croácia. Convicto de que venceria a partida a qualquer momento contra os envelhecidos vice-campeões mundiais, o Brasil aceitou o fogo brando proposto pelo seu oponente. O congestionamento do meio campo croata e o acomodamento brasileiro fizeram com que o jogo ficasse lento o que favorecia a equipe europeia.

Apesar de pouco elétrico, o confronto foi se tornando tenso e nas suas poucas escapadas, o Brasil não produziu real perigo ao gol adversário. A Seleção Brasileira melhorou com a entrada de Rodrygo e Antony na etapa final e algumas oportunidades foram criadas, no entanto, todas, sem exceção, pararam em Livakovic, o goleiro croata. Veio a inesperada prorrogação e ao final da primeira etapa Neymar, sempre muito criticado, fez um golaço com cara de redenção, daqueles que até os críticos aplaudem de pé.

Sem alternativas, a Croácia, com jogadores altos, resolveu jogar a bola na área brasileira. Para tentar fugir do perigo, o Brasil adiantou sua marcação e, entre erros e azares, a equipe europeia encaixou um contra-ataque no fim da prorrogação e empatou o jogo em um chute de tornozelo que desviou em Marquinhos e saiu do alcance de Alisson que até então havia sido apenas um espectador do jogo.

Muitos amigos, após o empate, imediatamente me enviaram mensagens criticando a postura do Brasil. Para eles, a Seleção deveria ter fechado a casinha e suportado a pressão croata. Pode ser, mas os argentinos contra os holandeses, após abrir a vantagem de 2X0, tentaram isto e o resultado também não foi muito bom. Diferentemente do Brasil, eles venceram nas penalidades e a estratégia de recuar o time saiu do foco das críticas.

O inesperado empate caiu como uma bomba sobre os brasileiros que se desestabilizaram para as penalidades. Muito se discutiu se Neymar não deveria ter iniciado as cobranças. Não há receituário. Romário, que jamais foi um exímio cobrador, afirmou que como líder da equipe de 1994, assumiu a responsabilidade na final contra a Itália, mas ele também confessou que ficou aliviado por não ser o último cobrador, afinal se errasse haveria ainda a possibilidade de recuperação. Entendo que a primeira e a última cobrança são as mais tensas e elas devem ficar reservadas aos jogadores mais cascudos e capazes. Por isso não acho que o Rodrygo deveria abrir a série, mas a escolha final por Neymar jamais me pareceu descabida e, se tivesse dado certo, como ocorreu na disputa pelo ouro olímpico conquistado em 2016, contra a Alemanha, os mesmos críticos estariam tecendo loas à estratégia.

Na semifinal, contra a Argentina, a Croácia adotou postura semelhante ao jogo contra o Brasil e teve êxito nos 30 primeiros minutos, mas foi surpreendida por um lançamento primoroso que encontrou Julián Álvarez livre para sofrer o pênalti que Messi converteu. No segundo gol, que praticamente selou os rumos da partida, a sorte foi fundamental. Julián Álvarez percorreu 54 metros com a bola e nas duas divididas com os defensores croatas a redonda bateu, rebateu e voltou mansa e obedientemente para os seus pés. Quantas bolas não pingaram na área croata e com um pouquinho de sorte poderíamos ter colocado para dentro? O rumo do jogo seria outro e certamente o caráter bipolar dos jornalistas-torcedores do Brasil não apareceriam naquele momento.

Queríamos o hexa. Não foi possível. Mas as análises precisam deixar de lado a bipolaridade. Nós não somos os piores quando perdemos, também não somos perfeitos nas conquistas. Contamos com uma geração talentosa e espero que a CBF saiba preparar o próximo ciclo com competência. Agora, parafraseando Belchior, como uma rapaz latino-americano, só me resta torcer para a Argentina.