NÃO LEVEM NOSSOS ENGENHEIROS
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NÃO LEVEM NOSSOS ENGENHEIROS

Crônicas da Madrugada

Autor: Danilo Sili Borges

Imagine a CBF, isso mesmo, a Confederação Brasileira de Futebol, entrando judicialmente contra os grandes clubes estrangeiros – Barcelona, Real Madrid, Paris Saint German …. – para impedi-los de contratar nossos melhores talentos futebolísticos.
Essa pretensão de proteger o nosso esporte favorito, salvaguardando os nossos clubes, fere o direito do trabalhador de alugar sua força de trabalho a quem lhe oferecer as melhores condições. Nas legais relações atuais, desde cedo, os clubes amarram os jovens talentos a contratos de modo a se ressarcirem pelo que investiram na sua preparação e na projeção da sua imagem. A exportação de atletas é fonte de receita significativa para muitos clubes brasileiros. Atletas e clubes ficam muito satisfeitos.
Se nos ressentimos de não ver os melhores craques vestindo as camisetas dos nossos preferidos, sabemos que a experiência que adquirem em mercados futebolísticos competitivos lhes acrescentam habilidades que os tornam ainda mais virtuosos e de grande utilidade quando convocados à seleção brasileira.
Além do futebol, os brasileiros são muito bons em muitos outros campos. Alguns, dos mais sofisticados, por estarem “na ponta” do desenvolvimento tecnológico, entre eles a indústria aeronáutica, que além da aviação comercial, abrange a militar e atividades aeroespaciais.
No ranking das maiores indústrias aeronáuticas do mundo, pelo critério de receita anual, a Embraer ocupa a 28ª posição. Se considerarmos apenas o setor de aviação comercial, está em 4º lugar. As duas maiores fabricantes de equipamentos aeronáuticos são, por qualquer critério, a americana Boeing e a europeia Air Bus, revezando-se nas duas primeiras posições. O Brasil conta com um florescente grupo de empresas no segmento aeroespacial onde se destacam, além da Embraer, a Avibras, a Akaer, a AELSistemas, a Dafran entre outras.
A Boeing, uma espécie de Real Madrid da atividade aeronáutica, está sendo acionada judicialmente para ser impedida de contratar engenheiros brasileiros, pelas nossas empresas do setor, por meio de duas entidades delas representativas: a Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE) e a Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB), sob a alegação de que engenheiros, altamente qualificados, das suas afiliadas estão sendo cooptados pela Boeing, pondo em risco a sobrevivência dessas empresas e ameaçando a soberania nacional. São diversas as alegações, sendo a mais impactante o argumento do sigilo de informações estratégicas para a segurança nacional.
Estima-se que em curto período, inferior a um ano, a Boeing levou para seus quadros mais de 200 engenheiros brasileiros. A complexa ação judicial pretende limitar o número dessas contratações pela empresa estrangeira, além de condená-la a pagar valores investidos para a especialização dos engenheiros, custeados por entidades nacionais.
Corre na mídia especializada, que a Boeing está renovando o seu quadro de engenheiros, com idade média elevada e em fase de aposentadoria, com jovens profissionais brasileiros. Fico feliz, não por perdê-los, é claro, mas pelo reconhecimento de suas qualidades.
Há complexos temas a serem considerados, desde o direito de o empregado escolher livremente para que empresa quer trabalhar, até os da segurança nacional, por serem esses profissionais detentores e desenvolvedores de equipamentos e de estratégias em áreas de altíssima sensibilidade, sob contrato anterior.
Na página de abertura do blog que edito, Conversa de Engenheiro, consta a frase:” O desenvolvimento de um país e do exato tamanho da sua engenharia”. Tamanho aqui, significando importância.
O reconhecimento da engenharia aeronáutica nacional não surgiu do nada e tem uma trajetória exemplar, na qual despontam patriotismo, visão de futuro, desprendimento pessoal, que merece ser conhecido. Foi a partir da criação de uma escola de engenharia, o ITA, Instituto Tecnológico da Aeronáutica, que se construiu todo o complexo tecnoindustrial dessa área do qual o país pode se orgulhar.
Dezenas de histórias de empresas de base tecnológica que se desenvolveram no país pela visão clara e patriótica de seus idealizadores, tanto ao abrigo do Estado, quanto no âmbito da iniciativa privada e que hoje levam o nome do Brasil ao reconhecimento internacional podem ser contadas. Dentre elas está a Vale, uma das maiores mineradora do mundo, nascida estatal, como Companhia Vale do Rio Doce, em 1942 pelas mãos do notável engenheiro e político Israel Pinheiro – que também foi, como presidente da Novacap, o construtor de Brasília.
Da iniciativa privada, com origem familiar, trago, para exemplificar, a catarinense WEG, com presença mundial em diversos segmentos, dos mais simples aos mais sofisticados, da eletromecânica, presença mundial, 38 mil colaboradores, sendo 3,8 mil engenheiros.
Há uma empresa brasileira que se faz presente, com sua altíssima tecnologia, diariamente em bilhões de lares pelo planeta, sem que sua marca ou rótulo apareça. Fundada em 1973, quando o Ministro da Agricultura era o jovem, Alisson Paulinelli, a Embrapa tornou o setor agropecuário nacional de importância global, a começar pela formação de seu quadro técnico, que nos levou ao domínio da produção em áreas então consideradas improdutivas ou de baixa rentabilidade. Milagres da ciência, da educação, da tecnologia, da seriedade com que os desafios foram enfrentados.
A receita do sucesso e do desenvolvimento, quer empresarial, quer nacional, não muda: abordagem séria das questões, com perspectiva de longo prazo, planejadas estrategicamente, visão de estadista, em oposição aos procedimentos, calcados em imediatismo tático, objetivando o poder político por si mesmo.
O Brasil tem jeito e tem bons exemplos!
Crônicas da Madrugada. Danilo Sili Borges. Brasília – Nov. 2022
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O autor é membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA