“O CURADOR MANDINGUEIRO”
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“O CURADOR MANDINGUEIRO”

Autor: Luiz Carlos Figueiredo

Desde que o mundo é mundo que uma das profissões mais antigas e relevantes da história é a de “curador”! Antes do exercício legal da medicina através dos médicos diplomados, nas pequenas localidades, incrustradas em meio a este imenso sertão brasileiro, quem fazia e acontecia nestes lugarejos era o famoso mandingueiro.

Geralmente quem assumia este papel – que passava de pai para filho – era um velhinho (ou velhinha) escondido ali na ponta da rua, em um velho casebre, sem ter nenhuma importância social, muitas vezes, até excluído do meio das pessoas, porém, quando convocado sempre dizia “sim”. Era esta figura que trazia os bebês ao mundo (chamado parteira/parteira), tirava os quebrantos, olho gordo e “mau-olhado”, curava dor nos quartos, dor nas batatas das pernas, dor de cabeça, dor nas juntas, espinhela caída, falta de disposição, dor de cotovelo e até restaurava uma ou outra libido perdida, deixando em perfeito estado de conservação para quem havia perdido a vontade de “dar no couro”. Para isso utilizava galhos de arruda, capim-santo e pião roxo para turbinar os seus benzimentos. Este curador – que existe ainda nos dias de hoje – tinha a capacidade de curar enfermidades, embaralhar a vida de um ou outro desafeto, reconciliar os casais separados e até responsar um ou outro objeto perdido. Sim. O “responsador” era pra lá de importante. Após botar uma agulha em uma bacia com água transparente, o caboclo indicava literalmente onde o objeto perdido se encontrava.  No caso dos roubos, indicava até o ladrão e a hora em que fora roubado.

-Minha pulseira de ouro sumiu, vou mandar responsar? – Era a senha para que o objeto sumido aparecesse imediatamente! O ladrão morria de medo de ser desmascarado. Nos meados dos anos 1970 até o finalzinho dos anos 1980 existiam vários “responsadores” aqui no nosso torrão. Antônio Facho, Dona Edite Curandeira, Mãe Da Ilha e o mais famoso deles, o “Véi Sena”. Se Antônio Facho ficara famoso por rezar nas fazendas e ver uma procissão de cobras deixarem a terra benzida em fila indiana, o Véi Sena virou um “mandingueiro multifuncional” desenvolvendo várias funções simultâneas. O véi era o principal “tirador de cachaça” da região, seus benzimentos curavam todos os vícios ruins do caboclo, embora, o que mais lhe trouxe fama e dinheiro foi a reconciliação de casais. O véi era tão bom, que além da fama adquirida na região, ainda juntou um bom pé-de-meia, comprando uma das melhores fazendas deste torrão.

Sua fama era tanta que extrapolava as nossas fronteiras. Se alguém perdia dinheiro, relógio, brincos ou anel, imediatamente eram aconselhados a procurar “Seu Sena” para “responsar”. Agora, fama mesmo ele tinha era como ‘tirador oficial’ de cachaça – vide o livro ‘(…) O Indiferente Olhar de um Gato Velho’-,

Cada uma destas consultas fazia a fama do velho curador chegar aos píncaros. Os clientes saíam extremamente satisfeitos, enquanto o ‘responsador’ ia ficando cada vez mais famoso, logo passou a diversificar os seus “negócios”.

Neste tempo o que mais existia era uma ou outra donzela ser deixada no altar bem na hora do casamento, geralmente o noivo se arrependia e capava-a- mula deixando a pobre noivinha desamparada. Outra coisa que se sucedia muito por aqui era homem casado ser trocado por outro com a libido um pouco mais “atualizada”, e assim, o jeito era recorrer aos prestativos serviços do Velho Curador para retomar a esposa perdida. Seu Sena cobrava caro, é verdade, porém, quem quisesse o seu ‘amor’ de volta era só procurá-lo que era tiro e queda.

Ambrósio de Maria Bicuda que o diga! Nascido e crescido no povoado de Nova Conquista, o jovem que era trabalhador feito o diabo, desde muito cedo encheu as mãos de calos ralando de sol a sol como lavrador. Casou-se com Maria Rita – a primeira namorada que achou pelo caminho – quando ela mal completara 15 anos. Na noite de núpcias, Ambrósio lhe deixou de herança uma barrigada de mabaços. Maria Bicuda era uma jovem galega não muito bem apessoada e como tinha os lábios extremamente carnudos, ganhou o apelido ainda na adolescência. Quando chamada por este nome, a garota que era de uma calma digna dos Monges Budistas, saía do prumo e tinha uma crise de ‘infezação’ tão disgramada que metia até medo! Tudo isto fez que o diabo do apelido pegasse mais ligeiro que doença venérea.  A favor de Maria, é bom relatar que durante estes sete anos de vida a dois, ela nunca foi muito de ciumar o marido. Esta liberdade o fazia andar de bar em bar quase todas as noites e sempre voltar para casa altas madrugadas completamente moqueado de cachaça.

Após colocar sete “buguelos” consecutivos na sua pobre esposa, em sete anos de um casamento regado aos trancos e barrancos, não é que Ambrósio deu de se engraçar para os lados de “Madalena Bago Duro”? É… Madalena era uma garota muito conhecida na cidade por já ter ‘namorado’ mais da metade dos homens do lugar, além de chamar a atenção de todos por onde passava, principalmente pelo imenso “derriére que levava a tiracolo”. Mal comparando, parecia até uma tanajura! Em um dia de feira, após receber o apurado pela produção semanal do seu patrão fazendeiro, ao tomar umas e outras e estar jogando conversa fora na base dos versos e prosas, eis que a curvilínea Bago Duro deu de se engraçar pros lados do roceiro que apesar de pobre, tinha alguns ‘atributos’ que deixava a mulherada meio assanhada.

– Que está fazendo uma hora destas na rua, Ambrósio? Maria Bicuda vai lhe dar uns cascudos, ouviu? – Falou a galega, com o seu sorriso fácil jogando charme pra cima do pobre roceiro.

– Ela “num” liga “cum” eu não, Madalena. Ela sabe que eu sou homem direito!

– E lá tem homem direito quando a mulher tá “quereno” ele?

– Você está dizendo que me quer?

– Só não quero “pruquê ocê” é casado e Maria Bicuda não vai separar “d’ocê”!

– Ôxe, pra apertar estes bagos duros que só “ocê” tem eu largo dela é agora!

– Óia lá o que ocê tá dizendo? Tem coragem “mermo” de viver mais eu?

– Ô se tenho! – Um cheiro no cangote, dois abraços apertados, uma mordida nas orelhas e so se viu roupas voando para tudo que foi lado.

Dez anos mais moça que Ambrósio e com um fogo inexplicável exalando pelas ventas, entre um ou outro beijo, o “caboclo” não pensou duas vezes para largar a pobre esposa com os filhos pequenos e se entrelaçar nos braços, pernas, coxas e outros atributos que só a linda e experiente galega possuía.

Depois de secar as lágrimas pedindo a volta do amado, aconselhada por parentes, Maria Bicuda já não mais aguentando tanto sofrimento e humilhações, inclusive, tendo diariamente que ver o seu marido desfilar abraçado com Madalena pelas ruelas da cidade, foi aconselhada e procurou o Véi Sena para uma consulta. Ao ouvir todo o relato choroso e dramático da pobre mãe de família, o velho ficou tão furioso que fez a consulta de graça! Eu não vi, mas me contaram que quando a sofrida Maria Bicuda relatou o sucedido, o velho soltou uma gaitada tão grande que pareceu até estar possuído.

– Conheço aquela quenga, Sá mi fia! Madalena ‘Bago Duro’, eu conheço ela sim! A safada é danada pra “desmatrimoniar” os “home” casados “tudim”. Vou “acertá” o passo dela é hoje!

Tomado por uma estranha “irradiação”, o velho que era esquálido e se movia com dificuldades, deu um gigantesco pulo no meio do terreiro e passou a saltar feito um bode, latir feito um cadelo, rosnar feito um porco e fazer uma série de mungangas debaixo de um pé de gameleira, inclusive, solvendo ininterruptamente uns dois ou três coités de pinga de alambique. Após mais alguns minutos de danças e rodopios, Seu Sena falou em alto e bom som para que todos pudessem ouvir:

– Oia, Sá mi fia… o véi vai dar três dias e três noites ‘pro mode’ ele lhe ‘percurá’ rastejando ‘inguale’ cobra na porta da morada de ‘suncês’. Se ele não for neste prazo que estou dando, mudo o meu nome e vou ‘mimbora’ da cidade. Volte pra casa e espere calada!

Pois assim foi feito. No terceiro dia logo pela manhã, quem chega rastejando igual uma cobra e todo lambuzado de lama? Ambrósio!

– Me perdoa, amada Bicuda! Eu não sabia o que estava fazendo… Caí nas tentações do ‘Pé-Redondo’, ‘muié’ de verdade aqui na região só existe ‘suncê’! Em nome de Deus pai, Nosso único Senhor, deixa eu voltar a morar com você pra “nóis” criar os nossos “buguelim” em paz, deixa?

– Suma daqui seu cadelo! Volte pra aquela galinha que é o que você merece!

– Não!! – Falava o choroso marido. – Ela me botou um monte de “gaia” na cabeça. Ela “num” me respeita não. Eu quero é você, amor da minha vida! Deixa eu criar os nossos buguelos ao lado d’ocê, deixa?

Deixar, até que Maria deixou, só que valorizou um pouquinho. Aceitou o Ambrósio de volta, porém, fez questão de sair dando na cabeça dele com uma velha vassoura pelas ruas da cidade mostrando quem verdadeiramente sorria por último!

– Fala aí pra todo mundo ouvir, quem é que você ama? Fala aí!

– Amo você, meu amor, só você. Nem uma outra é igual a você!

– Pois é! Toma aqui pra você aprender e nunca mais fazer o que fez, toma, toma, toma… – Desceu a ripa no marido com a velha vassoura, à vista de todo mundo, inclusive de Madalena Bago-Duro que se divertia com a sova que o seu ex-amante levava!

A surra que Ambrósio levou foi tão ferrenha que a partir daquela data os maridos da cidade passaram a pensar duas vezes antes de largarem as suas respectivas esposas!

FIM

Luiz Carlos Figueiredo

Escritor e Poeta

CSALES, Ba. Quadra de Outubro. Minguante de Primavera de 2022.