Autor: Luiz Henrique Borges
O Flamengo deu um passo muito importante para disputar a final da Copa do Brasil ao vencer o São Paulo, no Morumbi, por 3X1. A equipe carioca, além de contar com um elenco muito qualificado e, extremamente importante no futebol, entrosado, voltou a atuar com muita fluidez nas mãos de Dorival Júnior. Ao final dos seus jogos, tamanha é a naturalidade com que o clube carioca pressiona o adversário, troca passes e desenvolve suas jogadas que tenho sempre a sensação que os atletas rubro-negros derramaram poucas gotas de suor ao longo dos 90 minutos. Não estou dizendo que lhes falta vontade, garra e dedicação. Na verdade, eles jogam com tamanha desenvoltura, que o esforço dispendido parece ser pequeno.
No futebol não se pode bater o martelo antes da hora, só quem morre de véspera é o peru, mas a tarefa do São Paulo é dificílima. Na última quarta-feira, ele realizou uma boa partida, mas não o suficiente para deter os cariocas. O tricolor paulista enfrentará uma série de dificuldades. Ele terá que vencer uma equipe mais estruturada, experiente e, nos últimos anos, muito acostumada a disputar títulos e vencê-los. As adversidades do clube do Morumbi aumentam na medida em que a vitória terá que ser conquistada nos domínios do seu contendor que contará com o irrestrito apoio de seus torcedores que lotarão o Maracanã.
Para deixar o nível do desafio mais elevado, não basta uma vitória simples, com um golzinho de diferença. Se vencer por dois gols teremos as penalidades máximas e para não passar por tal sofrimento, o tricolor terá que abrir pelo menos três gols de vantagem. Missãozinha difícil, lembrando que o clube carioca, na atual edição da Copa do Brasil, não sofreu gols jogando em casa.
O São Paulo, por fim, ainda enfrentará um obstáculo adicional, em especial para os supersticiosos. Rogério Ceni precisará quebrar um tabu que lhe acompanha nos confrontos entre São Paulo e Flamengo. Dirigindo uma das duas equipes, ele jamais venceu a outra. Treinando o tricolor paulista foram cinco jogos e dirigindo o Flamengo foram outros três confrontos, totalizando 8 derrotas. Lembro ainda que a sua demissão do São Paulo em 2017 foi exatamente após uma derrota para o Flamengo por 2X0. E, se você amigo leitor, achou a retrospectiva do ex-goleiro são paulino ruim, ela ainda pode piorar. Ceni jamais conquistou um único, misero, paupérrimo ponto contra o Flamengo pelas equipes que ele comandou. Além das derrotas são-paulinas já descritas, ele perdeu uma partida com o Cruzeiro e duas com o Fortaleza.
Na outra semifinal, o Fluminense desperdiçou uma boa oportunidade de vencer o primeiro duelo e jogar com alguma tranquilidade contra o Corinthians em São Paulo. O tricolor carioca jogou melhor, finalizou catorze vezes, sendo cinco na meta do goleiro Cássio que fez defesas incríveis. No entanto, uma equipe que pretende disputar a final de Copa do Brasil e enfrenta um adversário tradicional como o Corinthians, não tem o direito de cometer erros infantis como o que ocasionou o primeiro gol corintiano e, muito menos, desperdiçar as oportunidades que criou para fazer o terceiro gol e praticamente “matar” o jogo.
Como não sou torcedor de nenhum dos quatro semifinalistas, entendo que o confronto que realmente se encontra em aberto e, por isto, para mim, terá uma carga de emoção maior, será o jogo da Neo Química Arena. O Corinthians, ao meu ver, leva um pequeno favoritismo para o campo, especialmente porque contará com o apoio do “bando de loucos”. Contudo, os clubes dirigidos por Fernando Diniz são imprevisíveis, exceto na incrível capacidade de perder gols.
Fico imaginando se ao final dos derradeiros 90 minutos a partida terminar empatada e a decisão se encaminhar para os pênaltis. De um lado Cássio e do outro Fábio, dois espetaculares goleiros e pegadores de penalidades. Certamente será muito prazeroso para mim e causará problemas cardíacos em diversos corintianos e tricolores.
Mudando completamente de assunto, fico cada vez mais impressionado com as entrevistas de Abel Ferreira, o português que dirige o Palmeiras. Taticamente, suas leituras dos jogos são sempre coerentes e muito bem construídas. Percebe-se que o jovem treinador é muito bem preparado.
Porém, suas falas não chamam minha atenção apenas no plano tático e técnico, o treinador, em diversos momentos, demonstra ter a capacidade de humanizar o futebol, deixando claro que, apesar da fama, do dinheiro e do reconhecimento que nos passa a imagem de que o pequeno grupo da elite do futebol brasileiro e mundial é formado por seres quase sobrenaturais, eles são maravilhosamente humanos em suas virtudes e defeitos.
No último final de semana, após empatar com o Flamengo e manter a sua confortável diferença de pontos não só contra o adversário, mas também em relação ao novo vice-líder do brasileirão, o Fluminense, o treinador português falou sobre as controvérsias em que ele se viu envolvido com o Cuca e com o Jorginho. Muito cordial, ele colocou panos quentes na polêmica, mas deixando subentendido que, dentro de campo, em decorrência de sua própria personalidade, o clima continuará quente.
Quando eu era moleque, havia um desenho animado do Walt Disney, estrelado pelo normalmente simpático e ingênuo Pateta, que eu adorava. Figura criada em 1932 pelos estúdios Disney, ele foi personagem de dois curtas animados que eram exemplos do que não se deve fazer ao volante.
O curta animado que realmente me marcou e me levava as gargalhadas é de 1950, denominado “Senhor Volante”. Nele, o senhor Walker, um pacato, afável e gentil cidadão, ao assumir a direção do automóvel se transformava no senhor Wheeler, transformando-se em uma pessoa agressiva, impaciente e até violenta. Ele barbarizava no trânsito.
Abel Ferreira é a versão futebolística da dupla Walker-Wheller, menos sombria, é preciso ressaltar, que o Dr. Jekyll e o Mr. Hyde, de “O médico e o monstro”, romance escrito pelo escocês Robert Louis Stevenson. Na sua entrevista, ele deixou claro que fora de campo ele não tem problema com ninguém, que está em paz consigo mesmo e com os outros e se diz legal, tranquilo e até tímido. É a personificação do senhor Walker.
Quando entra em campo… Ah! Aí as coisas mudam. Nas quatro linhas, seu único foco é a busca pela vitória e dentro delas ele não objetiva construir amizades. A competitividade é o gatilho para transformá-lo. Transfigurado no senhor Wheller, no motorista agressivo e enlouquecido, Abel Ferreira, consciente da transformação, afirma: “Competindo, eu tenho que atropelar”. O treinador português é divinamente humano.