Tempo bom é São João!… Depois de dois anos de pandemia, “oiá ele aí de novo, xaxando”! De volta com a sua alegria, seus costumes, sua beleza e toda a sua tradição! O São João do nordeste é uma coisa indescritível! Desde os primórdios até hoje em dia os festejos joaninos sempre foi um divisor de águas para o nosso povo sofrido.
A geração que hoje é sexagenária não se cansavam de trabalhar no “roçadão” (apelido carinhosamente dado à capital bandeirantes) apenas para voltar durante os festejos ostentando um rádio de pilha novo (cantando as coisas do mundo), um relógio de pulso (marcando horas e segundo) e um óculos escuro pra dar inveja aos barbados e suspiros nas mocinhas (Salve, Tom Zé!). Nos festejos podia se ouvir os arrasta-pé do Trio Nordestino, o baião de Luiz Lula Gonzaga, o folguedo de Marinês, a umbigada de Jackson do Pandeiro e até o duplo sentido da poesia forrozada de Genival Lacerda e Clemilda. Se tinha a tradição da comida típica, regada aos quentões e licores – devidamente acompanhado de uma lasca ou outra de porco assado -, o que havia de melhor das noites de São João era arrastar o pé com a mucama mais bonita da festa. Tinha nego que não perdia uma música, dançava a noite “inteirinhazinha abufelado” – parecia até estar ligado na tomada -, rebolava tanto que suava o cangote todinho. Também, era a única oportunidade que o caboclo tinha durante todo o ano de se agarrar a uma cabocla cheirosinha. Se dependesse da vontade dele não soltava nunca mais a dançarina, passava a noite todinha ali, agarradinho igual um camaleão.
Nos meados dos anos 1960 no entorno do Porto de Santa Cruz, existia uma galega que de tão espoleta faltava botar fogo no mundo. Nana era a “derretedora oficial” dos corações dos machos da região. Namoradeira feito o diabo, a galega de cabelos encaracolados (tão longos que lhe batiam à bunda) adorava o xenhenhém do forró. A danada era tão fogosa que os caboclinhos faziam fila para dançar com ela. Fogueira ardendo lá fora, fifó clareando cá dentro, o povo suando a regada, o forró tocando, fartura de bebidas, batata e milho verde assando na fogueira e o trio forrozeiro ali, forrofiando. Pedro Meia-Garrafa na sanfona, Pirilampo no chocalho e Cravinote na zabumba, destilando cantoria e o povo dançando e encarcando o chão da sala, descascando o forró a noite inteirinha e Nana pra lá de acesa no forrobodó, dançando – como dizia seu Luiz – o voo do carcará. Exalava sensualidade para tudo que era lado. Rebolava daqui, remexia dali, requebrava pra lá, sorria, pulava, cantava e os homens da festa com os “zóios” tudo butucado nela. Verdade seja dita, Nana não “enjeitava” ninguém. Dançava do “mesjeitim” com todo mundo, podendo ser velho, moço, gordo, magro, feio, bonito, cheiroso ou fedorento.
Nesta época o que os machos ojerizavam era levar um xabu. Existiam uma renca de garotas “especializadas” nesta área, só dançavam com quem queria. Nana, não. Ela dançava até com “Filó Mulambim” que era o doido de estimação da localidade e que nem gostava de tomar banho. Quando acontecia um xabu, geralmente o forró acabava em tumba, já que o valente gritava logo: – Se não dançar comigo não dança com mais ninguém! Pode ir se embora que a festa acabou pra “vancê! – E assim, se a moça insistisse em dançar com outro a encrenca estava formada. A festa acabava em guerra de facão! Negro apagava logo o candeeiro e virava um samba de porrada. Peixeira pra tudo que era lado. Geralmente entre mortos e feridos se salvavam todos, porém, a alegria da festa ia pro ralo. Saía nego cortado a torto e a direito, mas, morrer mesmo, ninguém morria.
Nana era filha de seu Tenório da barbearia e de Dona Helena Modista. Quando esta menina cismava de sair pelas ruas com um vestidinho preto, curto, colado, desenhando o seu corpo, não ficava um homem (solteiro ou casado) com a cabeça no lugar. Tinha nego que queria morrer! Havia até os que a seguia por todo lugar com os olhos butucados nos seus “atributos”. Em contrapartida, o diabo da galega não era fácil não. Já andava com uma cadernetinha a tiracolo anotando o nome das paqueras que havia tido. Quando ela estava com as amigas atualizava a lista contando nos dedos:
– É isso aí gente… Agora completou 38. Só esta semana foram Serjão de dona Maria, Joãozinho de Anália, Beto de Anita, Zé de Margarida e “Zezim” de Joca do Leite… – Isto porque – com vergonha – ela não quis contabilizar o desajeitado do Firmino Boca Rica, rapaz que, na prática, mulher nenhuma queria, mas que, “podre de rico”, desfilava pelas ruas empoeiradas do povoado ostentando a sua “Simca Chambord” 59, atraindo os olhares das donzelas e a inveja dos barbados. Era comum homens se reunirem no boteco de João Saracura para chorar em volta do balcão repleto de copos de pinga cheios até os beiços, as dores deixadas pela loiraça “partidora” de corações!
-Ah, Jesus! Estou com os quatro pneus arriados prus lados daquela galega! Bota mais uma conena aí, Saracura, quem sabe assim esta dor de corno não passa! – Gritava o infeliz enchendo a cara!
“Mané de Miguelim”, por exemplo, ao ser trocado por Ricardo Boca Mole entrou em uma depressão tão violenta que teve que ser seguro para não se matar… Queria porque queria morrer engasgado com um osso de galinha. João de Firmino era outro que chorava feito um relento quando via a galega dependurada nos “beiços” de Marculino de Tonha… – Olá ela… Ela “num” me “qué”! Ela prefere aquele mongoloide do “fí” de Tonha! – Enfim… Nana adorava se divertir com o furor que ela causava no meio machista do povoado.
Totonho do “Coronel Tronquilino” era outro. Este rapaz recebeu todo um investimento da família para estudar em São Jorge dos Ilhéus, antes de se formar doutor caiu na bestagem de vir visitar o povoado bem na “bespa” de São João. Acabou foi caindo no remelexo de Nana e após passar uma noite inteirinha abufelado com a galega, rebolando no “vai e vem dos seus quadris” e dependurado nos seus beiços carnudos, perdidamente apaixonado, o jovem resolveu ali mesmo que a partir daquela data desistiria unilateralmente dos seus estudos para juntar os troços com a garota. A coisa só voltou ao normal quando o coronel se viu na obrigação de lhe aplicar uma pêa de bainha de facão à luz do dia e diante de todo mundo. Chorando e com o corpo mais retalhado que carne do sertão, Totonho viu-se obrigado a esquecer seu repentino “amor de São João” embarcando imediatamente na marinete que cruzou o seu caminho. Só voltou a dar as caras por aqui quando se formou “doutor advogado”.
Até esta data a linda Nana nunca havia conhecido o amor. Namorava, beijava, fazia um calamengau ou outro, deixava os homens perdidos de amor e caía fora. Adorava se divertir com as propostas de casamento que recebia diariamente. Era taxada pelas colegas de “mulher do coração de pedra”, já que nunca se interessava por homem nenhum. Adorava a vida de predadora que levava. Mas, eis que em um dia de fogueira, ao participar de uma festa na fazenda de Sebastião Talisca, ao olhar de soslaio para os olhos azuis de Severino Boa Pinta(um jovem e cabeludo caixeiro-viajante que veio dar por estas bandas em pleno São João), Nana se apaixonou de vez. Foi imediatamente acometida por uma paixão avassaladora.
Recém-chegado ao povoado, Severino deu por estas bandas tangendo dois burros matreiros com suas cangalhas e alforjes entupidos de mercadoria. Jovem, cabeludo e conversador feito o diabo, em pouco tempo o vendedor conquistou toda a comunidade. Bastaram dois dias para que metade das moças passassem a disputar à tapa o caixeiro-viajante. Até aquela data Nana sequer o havia visto. A química entre os dois foi tão violenta que o jovem amarrou o seu jegue e resolveu ficar de mala e cuia para sempre por aqui.
Dois meses de namoro daqueles que fazem carecas ficarem “arrupiados”, quinze dias de noivado e lá estava ela (para desespero da população masculina do lugar), diante do altar da igreja do Porto, ao lado do musculoso e cabeludo comerciante. Como é praxe nestas ocasiões, o padre Onofre perguntou se tinha alguém ali no recinto contrário àquele matrimônio… Antes que alguém pudesse responder, adentrou à santa igreja uma mulher barriguda furiosa, grávida de uns seis meses, puxando um garotinho em cada mão, um de cinco e outro de seis anos, bradando nervosamente em uma das mãos uma certidão de casamento (na outra um guarda-chuva reforçado), cujo nome do marido ali assentado era o do “cara de pau do Severino Boa Pinta”. Ao constatar a veracidade dos fatos, Nana desmaiou e Severino saiu da igreja agredido pela esposa e pelos dois filhinhos… Foi de partir o coração ver a esposa bater com o guarda-chuva na cabeça do moço enquanto os filhinhos lhe chutavam a canela fazendo que o caixeiro-viajante fugisse aos pulos. Foi uma verdadeira tragédia. Severino nunca mais voltou a estas bandas e Nana partiu para São Paulo na primeira marinete que achou.
FIM
Luiz Carlos Figueiredo
Escritor e Poeta
CSales – Ba. Quadra de Junho de 2022. Minguante de Inverno.