Autor: Luiz Henrique Borges
Tomei a liberdade, no título da crônica, de parafrasear uma sentença muito conhecida. Vamos, de forma breve, tecer sua história. No século I a.C., o general Pompeu, que formou junto com Júlio César e Crasso o famoso Primeiro Triunvirato, encorajava, durante uma grande tormenta, os seus marinheiros que remavam as naus carregadas de trigo da África, da Sicília e da Sardenha em direção de Roma, com a frase: “Navigare necesse, vivere non est necesse”. Petrarca, famoso poeta italiano do século XIV, um dos precursores do Renascimento, ajustou a expressão para: “Navegar é preciso, viver não é preciso”. A frase foi imortalizada na língua portuguesa por Fernando Pessoa e posteriormente, no Brasil, Caetano Veloso a incorporou de forma magistral na canção Os Argonautas.
Vários usos foram dados para a famosa frase ao longo da história, no entanto ela possui um grande ensinamento: a vida é efêmera, mas enquanto nela estamos, temos de navegar, esteja ou não o oceano favorável.
Para construir o texto, acompanho as notícias esportivas ao longo da semana. As crônicas, lembrando o grande intelectual Antônio Cândido, é considerado um gênero literário menor, no entanto isto não significa que ela seja desimportante. O valor da crônica se encontra exatamente em seu apego ao cotidiano, à trivialidade que produz um singelo, enxuto, breve e emocional retrato do presente. Nesta semana, a invasão do Centro de Treinamento (CT) do Botafogo, clube que busca se reestruturar, chamou minha atenção.
Desde o ano passado, como botafoguense, acompanhei de forma muito interessada o processo de transformação do seu futebol em SAF (Sociedade Anônima do Futebol). O centenário clube carioca, espoliado por diversas e seguidas administrações, agonizava às portas da falência. A SAF surgiu como uma luz no final do túnel que se concretizou nos primeiros meses de 2022. O executivo do ramo da tecnologia, cinema e esportes, o ex-skatista profissional norte-americano, John Textor, tornou-se o sócio majoritário do futebol do Botafogo.
A desalentada, mas nunca desapaixonada, torcida alvinegra se encheu de esperanças que se inflaram na medida que o novo investidor colocou a mão no bolso e começou a trazer novos atletas para a equipe. A modernização administrativa do clube, outro foco do investidor, também gerou otimismo, mas tais movimentos possuem, para os torcedores, caráter marginal, é um valor agregado, uma vez que para eles o que realmente importa são os resultados em campo.
Durante os primeiros meses do ano, enquanto a SAF não se concretizava, o Botafogo pouco se reforçou e atuou durante o Campeonato Carioca com a base que ganhou o título da Série B no ano anterior. Pouco antes do final da competição estadual, agora como condutor do futebol botafoguense, Textor definiu a troca do treinador. Saiu Enderson Moreira que, se não é brilhante, tirou “leite de pedra” de um elenco muito limitado e iniciou as negociações com o português Luís Castro que só chegou ao clube na semana de estreia na Série A e, como ainda não tinha visto de trabalho brasileiro, dirigiu a equipe, na beira do campo, somente na segunda rodada.
As informações acima não querem dizer que não há ou não houve um planejamento por parte do novo proprietário do alvinegro. Mas, certamente ele começou, se levarmos em conta o calendário, tardiamente. No futebol o entrosamento é extremamente importante e ele só é alcançado quando os jogadores automatizam os seus movimentos e também os de seus companheiros. Para isto acontecer é preciso de tempo. O campeonato regional, quando se enfrenta clubes tecnicamente inferiores, seria o momento ideal para dar conjunto ao grupo, isto não foi feito e, agora, ele precisa se concretizar em uma competição muito mais exigente e difícil que é o Brasileirão. Planejar é preciso e seus resultados podem ser otimizados se ele for desenvolvido no tempo certo.
Outro ponto importante é a qualidade dos reforços. Textor não trouxe, ao menos até agora, atletas de renome. Os jogadores que chegaram são apostas, não são atletas consagrados. Patrick de Paula estava escanteado há tempos no Palmeiras, Victor Cuesta estava no banco de reservas do Internacional, Tchê Tchê não se firmou no São Paulo e no Atlético Mineiro, Philipe Sampaio veio da série B do campeonato francês, Lucas Fernandes foi emprestado pelo desconhecido Portimonense. Não vou cansar o leitor com a lista completa e destaco que também não estou desvalorizando os jogadores, de forma alguma. Estou apenas ressaltando que eles são atletas que, para o investidor, devem apresentar possibilidades de evolução e ganhos futuros. Enfim, são apostas.
A torcida, com as expectativas renovadas, abraçou o time. Os primeiros resultados, apesar das performances não serem empolgantes, reforçaram as esperanças. No entanto, as atuações não melhoraram e os últimos resultados foram muito frustrantes, principalmente as derrotas, em casa, para equipes que considero de nível similar, o Goiás e o Avaí. Perder para o Palmeiras em São Paulo não é surpreendente, no entanto, o que é inadmissível é a apatia que o time demonstrou, muito similar à frustrante campanha de 2020 que culminou com o rebaixamento do clube.
Se o planejamento não foi, temporalmente, o mais adequado, se os resultados não são os desejados, o torcedor pode protestar e vaiar o time como fez na derrota para o Avaí. O que ele não pode é invadir o Centro de Treinamento e, de forma violenta, realizar as cobranças sobre a comissão técnica e os jogadores.
O modelo empresarial adotado pelo alvinegro é um projeto de médio e longo prazo. Os resultados não serão imediatos e, em virtude de tal característica, ele foi, pela primeira vez nesta semana, confrontado com os diversos vícios do nosso futebol, como o imediatismo e com as torcidas cada vez mais intolerantes e, não nos esqueçamos, reflexo de uma sociedade que cultiva, de forma cada vez mais intensa, o ódio e a raiva.
Nenhum profissional pode e deve ser submetido ao constrangimento de ver o seu ambiente de trabalho invadido. O Botafogo é apenas o caso da vez. Outros clubes, ao longo de 2022, também tiveram seus CTs invadidos. Vimos uma bomba ser atirada em ônibus de um clube, uma pedra causar traumatismo craniano em um atleta, emboscadas aos ônibus de torcidas adversárias. Enfim, a sociedade violenta e intolerante não pode servir de desculpas para a inação. É preciso, de forma urgente, que os clubes rompam com os torcedores violentos, que todos os abusos sejam punidos. O futebol terá que combater a sua cultura de violência que por anos foi travestida de paixão. Os chamados crimes passionais continuam sendo crimes e todos eles, inclusive os praticados pelos torcedores, precisam ser punidos.