CNJ questiona TJ-BA sobre pagar de abono férias de 100% a juízes retroativo a 2019
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CNJ questiona TJ-BA sobre pagar de abono férias de 100% a juízes retroativo a 2019

A Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) pediu ao Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) informações sobre o julgamento de um recurso administrativo da Associação dos Magistrados da Bahia (Amab) para permitir o pagamento do abono pecuniário de férias de 100% aos juízes e desembargadores, de forma retroativa desde o ano de 2019. A ministra-corregedora Maria Thereza de Assis Moura, em dezembro de 2021 (veja aqui), negou um pedido do juiz Jonny Maikel para impedir o pagamento de férias de 100% no TJ-BA. Apesar da decisão do Pleno, até o momento, a Corte baiana não efetuou o pagamento da verba.

A maioria dos desembargadores do TJ-BA, recentemente, aprovou o pagamento de forma retroativa desde o ano de 2019 nos mesmos termos que são efetuados aos membros do Ministério Público do Estado (MP-BA). A proposta começou a ser analisada no Pleno no dia 9 de março deste ano e foi finalizada no dia 13 de abril, quando o desembargador José Rotondano liberou o voto vista.

O caso foi tratado a partir de um recurso administrativo da Amab, contra uma decisão da Corte que impedia o pagamento das férias no valor total de dois salários, e não de um salário mais 1/3 (um terço) como é feito para todo trabalhador brasileiro. Essa prática não estava sendo efetuada desde 2019 por decisão do então presidente do TJ, desembargador Lourival Trindade, a partir de uma recomendação individual do então corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, expedida no dia 5 de dezembro de 2018.

O texto do corregedor, naquela época, recomendava aos tribunais do país que não pagassem de abono férias no valor superior a 1/3 do salário, ainda que houvesse previsão em lei estadual para isso. A recomendação considerava que o Pleno do CNJ havia decidido que os tribunais não poderiam pagar acima de 1/3 do vencimento dos magistrados, já que a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) veda a concessão de vantagens adicionais que não estejam previstos nela; que o Supremo Tribunal Federal (STF) vedou o pagamento de valores superiores estabelecidos na lei federal; e que é de competência do CNJ controlar atos de tribunais estaduais.

O montante maior está previsto na chamada Lei da Simetria, sancionada pelo governador da Bahia, Rui Costa, em junho de 2016. O texto legislativo determina a aplicação na carreira da magistratura de todos os direitos e vantagens estipulados em favor dos membros do Ministério Público da Bahia, como gratificação em caso de exercício cumulativo de cargo ou funções jurisdicionais, na mesma, ou em outra, Juízo ou Câmara, no valor de 10% do salário; abono de férias; e gratificação de férias no valor dos vencimentos, após um ano de exercício na carreira; além de licença prêmio.

O recurso administrativo da Amab foi relatado pela desembargadora Cármen Lúcia. O entendimento da desembargadora foi voto vencido, junto com o voto do desembargador José Rotondano, atual corregedor-geral de Justiça e do presidente do TJ-BA, desembargador Nilson Castelo Branco. O desembargador Pedro Guerra se declarou suspeito para julgar o caso, por ser também parte interessada. Os três votaram pela manutenção do pagamento do abono na proporção de 1/3 do salário dos juízes, como recomendado pelo então corregedor do CNJ, em 2018.

Em seu voto, a relatora afirmou que o abono pecuniário não pode ser usado para compensar o excesso de trabalho dos juízes, pois é um valor para compensar a venda de um período das férias. Destacou que o STF já declarou que esse tema somente pode ser tratado em lei infraconstitucional, como a Loman. Salientou ainda um trecho de um julgado no Supremo, em que o ministro Dias Toffoli questiona: “Como justificar que determinado estado da federação pague 300% a mais pelo adicional?” No caso concreto, somente a Bahia e o Mato Grosso desembolsam um salário e não um 1/3 do vencimento para pagamento de férias. Para Toffoli, a norma cria um tratamento desigual entre os magistrados, e cria uma discriminação odiosa entre as carreiras da magistratura.

Na mesma sessão, ocorrida no dia 9 de março, o desembargador Julio Travessa apresentou voto divergente. Ele lembrou que o texto foi aprovado no Pleno do TJ-BA, em 2016, à unanimidade, e seguiu para tramitação na Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA), sendo posteriormente sancionado pelo governador. Criticou ainda o fato de, há três anos, ter se dado interpretação de vigência parcial da lei da simetria, deixando válida apenas para gratificação de substituição, tendo desaparecido a equiparação do plano material por uma recomendação monocrática do corregedor do CNJ.

Travessa salientou que o CNJ não tem poder para negar a vigência de uma lei estadual e tampouco para declará-la inconstitucional. Acrescentou que a expedição de recomendações é um ato privativo do colegiado do CNJ, não podendo prosperar a recomendação monocrática do corregedor sobre uma lei estadual. Asseverou ainda que, se os juízes não têm o poder de aumentar os próprios vencimentos, também não podem diminuí-los.

O desembargador contou que, na época, os desembargadores do TJ-BA foram surpreendidos com a medida e que os atuais membros da Corte não podem ser penalizados de forma indireta por erros pontuais de colegas investigados na Operação Faroeste, que desmoralizou o tribunal mais antigo das Américas. “Os desembargadores e magistrados do TJ não deram causa à Operação e seus afastamentos. O tribunal é formado por magistrados honestos e que vivem dos seus vencimentos. Isso é uma injustiça que os magistrados estão passando”, reclamou. Para ele, o correto é ou aplicar a lei em sua totalidade ou encaminhar uma sugestão para o Legislativo para a norma ser “derrogada totalmente”. Logo depois, o desembargador José Rotondano pediu vista.

Posteriormente, o desembargador Mario Albiani declarou que a decisão administrativa do TJ impactou muito na profissão e contra o princípio constitucional do não retrocesso. “No momento em que mais precisávamos do valor para valorização da magistratura, o pagamento foi cortado. Férias é um direito fundamental do trabalhador e o 1/3 é o valor minímo”, reclamou. Acrescentou que, devido à desvalorização da carreira, muitos juízes estão abandonando a toga para advogar ou serem consultores em causas mais vantajosas, como em recuperação judicial. “Não é buscar remuneração, é manter o que já conquistamos”, afirmou Albiani ao seguir o voto de Travessa.

No dia 13 de abril, o desembargador Rotondano liberou o voto vista e declarou que o cálculo do abono pecuniário deveria ser feito baseado no pagamento de 1/3 do salário dos juízes e não o pagamento do vencimento integral. “Reconheço o pleito da Amab, e estou solidário ao pleito dos magistrados da Bahia, mas não posso acolher o pedido”, disse, seguindo o voto da relatora.

Para o corregedor, no caso concreto, não há conflito entre o CNJ e o TJ-BA, mas sim uma interpretação consolidada no STF no sentido que é inconstitucional lei estadual que tenha uma regra remuneratória distinta da nacional. “Chega de nos confrontarmos com o CNJ em determinadas matérias. O CNJ é, em matéria administrativa, hierarquicamente superior a nós”, asseverou Rotondano.

Travessa voltou a se manifestar na sessão e reforçou que os magistrados baianos não podem sofrer “injustiças injustificadas”, devido à Operação Faroeste. “Desde dezembro de 2019, vivemos sob uma suspeita injustificada, estamos pagando o preço de algo que não fizemos, que não participamos”. Salientou que o CNJ não é superior ao TJ-BA, por ter funções determinadas na Constituição Federal, não podendo fazer controle de constitucionalidade de qualquer lei. “A nossa hierarquia de ideias é com o Supremo Tribunal, órgão máximo do sistema brasileiro”, frisou. “Eu respeito muito o CNJ, mas tenho que afirmar que este ato que foi propagado pelo ex-corregedor não se reveste de recomendação, e ainda que se revestisse, seria um ato nulo”, ponderou.

Por maioria dos votos, o posicionamento de Travessa prevaleceu no TJ-BA. A Amab, em nota ao Bahia Notícias, declarou que o TJ-BA “ratificou o que determina a lei estadual Nº 13.562, que dispõe sobre a simetria dos direitos e vantagens entre as carreiras do Ministério Público e da magistratura”. “Com isso, a legislação garante a igualdade de benefícios entre promotores e magistrados, inclusive relacionados ao pagamento das férias, que estava sendo parcialmente descumprida pelo Tribunal. Os desembargadores reconheceram que a lei, como é válida e está em vigor, deve ser cumprida, ressaltando-se que os benefícios reconhecidos já são pagos aos promotores baianos desde 2016”.

FÉRIAS DE 60 DIAS

A Lei Orgânica da Magistratura (Loman) permite que juízes e desembargadores usufruam de 60 dias de férias ao longo de um ano de trabalho. Fontes do Bahia Notícias sinalizam que muitos magistrados vendem 10 dias de férias de cada período, podendo totalizar 20 dias vendidos, para poder ter uma melhor renda diante da defasagem salarial que a categoria sofreu ao longo dos tempos e a perda do poder de compra. Inclusive, muitos não teriam acesso a crédito em bancos, como empréstimos. Por outro lado, há questionamentos sobre a necessidade efetiva da classe de ter a prerrogativa de gozar de 60 dias de férias ao longo de um ano, por questões de saúde mental, já que vendem 20 dias do período.

INDENIZAÇÃO DE FÉRIAS NÃO USUFRUÍDAS

Somente no mês de abril, conforme dados da Transparência do TJ-BA, 38 desembargadores receberam indenização de férias não usufruídas no valor de R$ 35.462.22, o que totaliza aproximadamente R$ 1,3 milhão. Fontes do Bahia Notícias sinalizam que o pagamento da verba de forma retroativa poderia ter um impacto substancial no orçamento do TJ-BA e ainda poderia custear a nomeação de mais servidores ou magistrados.

Fonte: Bahia Notícias | Foto: Cláudia Cardozo / Bahia Notícias