Bruna Marquezine diz que papel em Hollywood não tem a ver com homem nenhum
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Bruna Marquezine diz que papel em Hollywood não tem a ver com homem nenhum

Nova York, 4 de fevereiro de 2022. Bastou uma chamada de vídeo recebida de dentro do quarto em que estava hospedada para que o mundo mudasse de cor para Bruna Marquezine.

Aos 26 anos, sendo os últimos cinco deles dedicados a realizar dezenas de testes e videotapes para seleções de elenco no mercado internacional, ela conseguiu chorar de alívio.

Não que seus outros trabalhos como atriz de novelas da TV Globo, onde começou aos cinco anos, não a emocionaram antes. Mas, quando recebeu a notícia da Warner Brothers de que havia sido escolhida como “interesse romântico” do super-herói de “Besouro Azul”, filme do universo da DC Comics a ser lançado no ano que vem, tirou o peso, ela conta, de “sofrer calada por tantos anos”.

Desta vez, pensou, “não estou namorando há não sei quanto tempo e ninguém vai poder dizer que [a escalação] tem a ver com homem nenhum do mundo”. “É mérito meu. Sabia que acreditava em mim.”

É que desde quando deixou de ser vista como a garotinha Salete de “Mulheres Apaixonadas” e, já maior de idade, passou a emendar diversos personagens em tramas do horário nobre, o adjetivo de namorada de Neymar muitas vezes aparecia antes do ofício de atriz.

Ela conta que, ainda que se esforçasse e conseguisse papéis complexos, “por muito tempo não tive controle [sobre a imagem], porque pessoas públicas perdem esse direito”. “Sempre fui para os outros o que diziam que eu era.”

Por isso, é diferente o sabor de ser a primeira latino-americana a protagonizar uma franquia multibilionária de super-heróis e, com isso, mudar o curso da história de atores brasileiros que tentam a sorte em Hollywood ao se lançarem em papéis muitas vezes caricatos e sem relevância.

Marquezine não pode dar detalhes de sua Jenny -nos quadrinhos, a personagem se chama Penny-, mocinha de valores familiares sólidos e filha de pai americano com mãe latina, mas ela simboliza uma libertação do passado tentando “não resumir minha existência a um namoro”.

“Achava injusto. Naquela época ninguém falava de feminismo, então, era tudo bem uma menina ser resumida a um namoro com uma pessoa famosa. Ninguém reclama disso, mas doía em algum lugar, e eu mesma não sabia como reverter essa sensação”, lembra.

“Vi coisas acontecendo [nos bastidores], vi gente querendo me sabotar, se unindo para fomentar ódio, achando legal quando eu era diminuída a namorada do Neymar mesmo tendo visto de perto minha trajetória.”

“Eu fui uma das poucas crianças que fechou com a Globo, e tive contrato fixo até sair de lá. Mas começava a acreditar que minhas conquistas não eram boas o suficiente, que eu não era digna daquele lugar, que eu só era boa quando era criança e depois disso eu enganei e fui levando as pessoas no carisma”, ela acrescenta. “Foram anos vendo as pessoas [do meio artístico] fazendo eu duvidar do meu valor, do meu esforço.”

Bruna derrama lágrimas mesmo agora, quando além de “Besouro Azul”, cujas filmagens de cinco meses se iniciam em abril, na cidade americana de Atlanta, ela também será vista na série “Maldivas”, da Netflix, com previsão de estreia para julho, e, adianta, em um outro projeto de série que acaba de ser aprovado pela plataforma de streaming.

“Dói muito você amar uma coisa e as pessoas tirarem de você. Cheguei a falar com diretores que eu amo, ‘não posso aceitar [o trabalho] porque não sou atriz’. Não era drama. Pensava, ‘será que um dia já fui [atriz], porra?’. Por que é tão difícil mostrar que sou assim? Por que fazem isso, se unem para bater numa pessoa que está lutando?”

Os dias azuis, ela conta, não significam uma vingança pessoal, “porque nunca daria esse significado para uma coisa tão linda”. “Está mais para gratidão.” A diferença é que a atriz, consagrada como uma das maiores de sua geração na TV, não se furta de levantar a voz para quem aponta os dedos.

Na Semana de Moda de Paris, onde foi convidada para as primeiras filas das grifes Saint Laurent, Givenchy e VTMNTS, uma foto sua com um look que deixava seus seios à mostra, foi alvo de críticas por parte de um usuário incomodado com a exposição.

A resposta veio a galope. “Relaxa, machista. A minha fama aqui é de atriz, modelo, fashionista, influenciadora, gente boa, gentil, educada, divertida e uma baita de uma gostosa!”

Ela afirma que já espera comentários misóginos quando posta fotos com looks mais ousados em sua conta no Instagram, acompanhada por 42 milhões de pessoas. “Para falar a verdade, escrevi aquilo rindo. Chega a ser patético repetir algo tão óbvio, ter de explicar para um homem criado que ele não tem direito e opinião a nada sobre o meu corpo.”

Ela diz repetir porque sabe que tanto ela quanto quase todas as amigas cresceram sendo cerceadas sobre a roupa que vestem. “Crescemos todas com aqueles comentários de ‘se engordar, não vai casar’ ou ‘vai sair com essa roupa para chamarem você de vagabunda?’. Temos que ver [esse tipo de comentário] ainda como um problema.”

Essa nova fase desgarrada de contratos fixos, que ela diz ser o melhor momento de sua carreira, também é acompanhada de um pendor fashion que só tende a aumentar. Cada vez mais Marquezine se entranha no universo da moda.

“Achava um saco essa coisa de ter de me vestir só para estar bonita. As atrizes são cobradas sobre isso. Com o tempo, fui tomando gosto quando passei a enxergar a moda como arte. Foi uma construção, que se tornou algo genuíno para mim”, resume. “Mas, olha, desculpa decepcionar, não sou uma ‘gênia’ do marketing e não faço para me tornar um ícone fashion.”

E ela nem teria como decidir sobre isso, da mesma forma que não decidiu receber todas as pechas do passado. Parece certa, porém, ao decidir sobre uma questão dessa nova fase de dias azuis -novela, por enquanto, nem pensar. “Não, não dá. Foram muitas, acho que 14. Tenho um crédito ainda.”

Fonte: Folhapress/NAM | Foto: Getty Images